O livro da Sabedoria, cronologicamente,
é o último livro do Antigo Testamento e atua como ponte para o Novo Testamento;
constitui uma etapa importante dentro dos livros da Escritura. O
caminho que leva ao nosso texto pode ser
resumido "brevissimamente" assim:
a sabedoria de Israel se
desenvolve a partir da época Salomônica e encontra a sua primeira expressão no livro
dos Provérbios: aparece como a experiência da vida, a capacidade que o homem
possui de compreender o sentido da
realidade, na certeza de que esse sentido existe porque cadacoisa foi criada por Deus;
a sabedoria bíblica é todavia, consciente dos próprios limites: a
experiência humana se confronta, de
fato, com o muro da dor (Jó), da morte (Qoelet ou Eclesiastes) e, assim, passa
a questionar o próprio Deus;
no entanto, o sábio está sempre
consciente de que a sua sabedoria, expressão da procura humana sobre a
realidade, é ao mesmo tempo um dom do Senhor (Sirac ou Eclesiastico) e é sinal
da sua presença no homem.
O autor do Livro da Sabedoria,
que mais uma vez se esconde por trás do pseudônimo de Salomão, é um sábio judeu
anônimo que escreve em Alexandria do Egito, provavelmente durante o império de
Otaviano Augusto (30 aC-14 dC). Alexandria do Egito, fundada três séculos
antes, por Alexandre Magno, com a sua famosíssima biblioteca e o museu,
constitui no limiar do Iº século dC o centro cultural do Mediterrâneo oriental
e é o símbolo da cultura helênica que domina o nascente império romano. Nesta
cidade, está presente a mais importante
colônia judaica fora de Israel: colocados entre os cidadãos romanos e gregos e
a grande massa do povo egípcio, os judeus alexandrinos constituem uma
comunidade que goza de certa autonomia e da possibilidade de se regular, ao seu
interno, com suas próprias leis. O nosso
autor dirige-se, antes de tudo, aos judeus de Alexandria e, em particular, aos
jovens.O seu objetivo é duplo: de um lado, chamar aqueles jovens que se sentiam
muito atraídos pelo mundo grego no qual viviam,
a ponto de renunciar as próprias tradições e, às vezes, à própria fé. De
fato, o mundo helenístico se apresentava com um rosto sedutor, oferecendo aos
jovens um projeto educativo que garantia uma formação integral com a
aprendizagem das diversas disciplinas da mente e do corpo. Quem não era educado
segundo os cânones da cultura grega era excluído de qualquer possibilidade de
sucesso na vida pública. Se o primeiro objetivo era alertar os jovens judeus da
sedução do mundo grego, o segundo objetivo ainda era mais ambicioso. Para o
autor do Livro da Sabedoria, não basta distanciar-se das tentações que ameaçam
a fé, é necessário reforçá-la e para
fazê-lo, escolhe um caminho particular: colocando à luz os limites do
helenismo, aceitando com coragem e honestidade reconhecer-lhe os valores. O autor escreve em grego e não no
hebraico dos pais e em um grego particularmente refinado e procurado, usando
também expressões e conceitos típicos da filosofia grega.
O gênero literário utilizado pelo
autor não é tomado emprestado do mundo da Bíblia, mas da retórica grega
clássica e é o chamado “elogio": tendo uma finalidade educativa, o autor
pretende propor aos jovens judeus alexandrinos o elogio da sabedoria,
recomendando-lhes a prática: a sabedoria de Israel não tem medo de se propor em
categorias culturais aparentemente estranha a essa.
O Livro da Sabedoria é o sinal de
uma ponte lançada entre dois mundos, entre Israel e o Helenismo. Trata-se de
uma tentativa de inculturação, isto é, de traduzir a fé e a sabedoria de Israel
em categorias culturais compreensíveis a quem, como os judeus de Alexandria,
estavam agora embebidos de Helenismo. Ao invés do caminho da contraposição e do
conflito, o Livro da Sabedoria escolhe o caminho do diálogo: Israel compreende
que a própria fé pode sobreviver mesmo no confronto com um contexto cultural aparentemente adverso e
sair dele, de fato, enriquecido.
Uma característica do Livro da
Sabedoria é o grande cuidado com que foi composto: o autor se serviu de
técnicas literárias muito refinadas para criar um texto bem ordenado e, assim,
favorecer a compreensão do leitor. O
livro é dividido em três grandes seções:
1. O Livro do futuro (1,1-6,21): A
primeira parte se concentra sobre o tema da vida eterna que aguarda o justo. O
livro se abre com uma mensagem de esperança
proclamada com força: o problema do sofrimento, da dor, da morte,
colocados dramaticamente nos livros de Jó e Qoelet (Eclesiastes), encontra uma
primeira resposta no anúncio de uma vida que não termina.
2. O Livro do presente
(6,22-10,21): descreve as características da sabedoria que Deus dá ao homem na
sua vida presente para que a acolhendo, possa encontrar aquela vida eterna
prometida na primeira parte do livro.
3. O Livro do passado (11-19): O
livro se conclui com uma longa seção assinalada por uma reflexão sobre fatos do
passado: meditando sobre os acontecimentos do êxodo do Egito, o autor descobre
na história do seu povo os sinais de uma presença de Deus no mundo que nunca
falha: assim, o passado fundamenta a esperança no futuro.
O
livro da Sabedoria é um texto em diálogo com o mundo grego, mas não por esse
motivo, deixa de ser a obra de um hebreu profundamente crente,
bem enraizado na própria tradição. Todo o livro é percorrido por uma contínua
série de alusões a textos bíblicos precedentes: a primeira parte retorna sobre ideias
já expressas em Jó e Qoelet, nos cânticos do Servo (Is. 40-55), nos textos
apocalípticos de Daniel 7 e 12 e no Salmo 2.
A segunda parte se baseia no célebre texto da sabedoria de Salomão (1
Reis, 3; 2Cr. 1) e sobre textos relativos à "Senhora Sabedoria" de
Provérbios, capítulos 8-9. A terceira parte é uma constante releitura dos
textos do Êxodo, enquanto os capítulos 13-15 ocupam numerosos textos do
segundo, terceiro Isaías (capítulos 40-66).
O
método seguido pelo nosso autor é aquele utilizado nos escritos do judaísmo
palestinense de seu tempo e aquele das medras: é um modo de comentar a
Escritura com a convicção de que a Palavra de Deus é sempre atual e pode e deve
ser reproposta em contextos sempre novos. Nosso autor é convicto de que os
textos do Êxodo, velhos com mais de mil anos, conservam a sua plena validade
como Palavra de Deus dirigida aos judeus de Alexandria do seu tempo. O Livro da
Sabedoria procura, assim, traduzir os textos da Escritura no contexto cultural
e histórico de seu tempo, mostrando toda a sua atualidade .O nosso sábio nos
ensina que a Palavra de Deus permanece eternamente, não tanto como dogma
prefixado e imutável, mas como luz lançada sobre situações históricas mutáveis,
palavra que exige continuamente ser atualizada e traduzida para contextos
sempre novos, "permitindo-nos assim a ler a Bíblia com a vida e a vida com
a Bíblia"(a Palavra de Deus se difunda e seja glorificada - Nota CEI
1995).
Discute-se
se os autores do Novo Testamento conheceram o Livro da Sabedoria: parece que ao
menos Paulo e João o tiveram presente; em particular a teologia da sabedoria em
Sab. 7-9 serve como antecedente ao prólogo de João e ajuda a entender a
teologia do Espírito em São Paulo.
O
livro da Sabedoria foi definitivamente aceito no cânone das Escrituras da
Igreja somente no Concílio de Trento. São Jerônimo, não o considerando um texto
inspirado, se recusou a traduzi-lo. Foi pela defesa feita por Santo Agostinho,
que a Sabedoria entraria entre os livros considerados inspirados. O texto não é
aceito pelo cânon hebraico da Escritura, também é excluído das Igrejas
reformadas, enquanto os ortodoxos nunca tomaram uma decisão a esse respeito.
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