Ler: Sabedoria cap. 2
Por que, Senhor estás longe?
O capítulo 2 do Livro da
Sabedoria é esplêndido do ponto de vista literário e de conteúdo, mas contém
uma verdade débil e pobre, quase sempre desmentida pelos fatos que acontecem à
nossa volta e que todos os dias os meios de comunicação nos propiciam. São fatos
marcados por eventos de morte, de projetos de mortes impiedosamente pensadas e
perversamente executadas. Como pensar em um Deus que é nosso Pai, que se ocupa
conosco e com as coisas do mundo, diante daquilo que acontece e considerando
como estão indo as coisas? Essas coisas têm, por exemplo, o rosto de quem
desembarca todos os dias, clandestino, às nossas costas; os rostos de homens e
mulheres desfigurados pelas guerras, os rostos das crianças violentadas,
exploradas e mortas, os rostos das várias solidões... Vivemos abaixados neste
mundo e estremecemos angustiados diante da escolha da morte, que domina a
história humana, aquela de hoje e aquela de ontem. Escolha constituída pelo
ímpio, contrastando a escolha da vida, representada pelo justo que nunca aprova
o projeto dos ímpios. Mas como vão terminar as coisas? No confronto fechado
entre os dois opostos, ímpios e justos, prevalece sempre a lei do mais forte, e
prevalece através da opressão do justo.
O Senhor examina os justos e os ímpios
O
que e dizer diante de tudo isso? O autor responde com a lúcida convicção e a
certeza de que Deus se faz presente na história precisamente através do justo,
através do seu estilo de vida, da sua qualidade de vida e da sua fé que o faz
perseverante até o fim. Mas como termina? Tudo parece terminar com a condenação
e a morte do justo, enquanto os maus continuam impertinentes a perseguir os
seus projetos.
Os
Padres da Igreja veem nestes versículos nos quais o justo é descrito, uma
profecia da paixão de Jesus. A partir dessa perspectiva, há apenas o
constrangimento de ler impotente uma história de malvados que, com sua
agressividade, invocam e praticam todo o tipo de morte, morte que eles retém
como amiga, com a qual concluem uma aliança porque são dignos de lhe pertencer,
dignos de fazerem a escolha da morte, uma escolha que faz descer às periferias da alma humana.
Lendo
este texto, percebemos que o comportamento dos ímpios, o seu devaneio, não está
fora de nós, mas também dentro de nós. Somos convidados a reconhecer que ímpios
e justos, além de estar no mundo, ocupam a nossa consciência de crentes e o
nosso coração. Quando não apreciamos a vida, quando sentimos a necessidade de
"livrar-nos" do Senhor, de falhar nos projetos de vida abraçados com
entusiasmo e depois abandonados porque decepcionados pelo Senhor, quando
sentimos que podemos fazer sozinhos e melhor do que com o Senhor, significa que
estamos avançando no caminho do ímpio e que o nosso coração tende a calar a voz
interior do justo. Este capítulo é de
vibrante atualidade pela mensagem que contém: onde o egoísmo torna-se um valor
absoluto se impõe como necessidade a opressão sobre os outros.
Quem
são os malvados do qual se fala neste texto? Qual é o seu projeto de vida? Quem é esse "justo" a quem eles
oprimem porque os incomoda, tão incômodo que se deve fazer calar, e uma vez
por todas eliminado? Quais são os motivos que impele os malvados a persegui-lo?
Quando
foram escritas estas páginas, eram considerados ímpios os discípulos de Espiculo,
precursor da filosofia do prazer, segundo a qual o que importa são as emoções e
as sensações, e nenhum prazer em si é mal. Os Saduceus eram considerados ímpios
pois não acreditavam na ressurreição e na imortalidade para os quais, tudo se
joga nesta vida. Segundo os estudiosos, vinham identificados como ímpios também
aqueles judeus que haviam abandonado a sua fé porque atraídos pelos aspectos
mais sedutores do mundo grego se tornaram apóstatas da Santa Lei.
Quem
é, então, o justo? Segundo os autores, é toda pessoa que exprime o modo de
viver do israelita fiel à Sabedoria e à Torá; o seu comportamento provoca
intolerância, aborrecimento e ressentimento para com Deus, a quem o justo faz
apelo. São, por tanto colocados em confronto dois modos de conceber a
existência.
NO CORAÇÃO DO ÍMPIO, FALA O
PECADO
Monsenhor
Ravazi nos sugere ler este texto distinguindo quatro figuras que habitam no
nosso coração:
No
vv1-5, a primeira figura é aquela do "filósofo materialista". Às
vezes mesmo em nós, podem tomar consistência, pensamentos ou raciocínios
tristes, o que os Padres do Deserto chamavam de "loghismoi",
pensamentos em conflito, em contradição, que impedem a fé, por exemplo, aqueles
relativos ao nascimento e morte. O que sabemos da vida após a morte? Sabemos
que após a morte desaparecem progressivamente nome e memória e será como se não
tivéssemos existido. Se a vida é assim, como convém preencher o espaço do tempo
intermediário entre o começo e o fim?
A esse raciocínio responde a segunda voz do
ímpio que nos habita, aquela do "filósofo hedonista" (vv 6-9). Por
trás desses versículos existe a filosofia do "carpe diem”, (aproveitar o
dia de hoje), o projeto de um egoísmo bem cultivado. Não devemos, porém, demonizar imediatamente
essa filosofia, como se tudo fosse negativo; pelo contrário, devemos valorizar
as coisas belas criadas e apreciá-las, sem torná-las um prazer sem fim. A voz
do filósofo hedonista deve ser considerada como um chamado a um lúcido
discernimento sobre o instinto do prazer e do poder que nos habita e que se faz
sentir em nós. Esses aspectos não são tabus e não devem ser reprimidos, como
nos tem sempre ensinado, mas devem ser guiados racionalmente, sustentados por
uma iluminada batalha espiritual.
No
v. 10 é evocada a conexão entre prazer e poder. A força e poder são colocados à
disposição do prazer e do bem-estar, porém, permanecem excluídos os últimos:
viúvas, pobres, velhos, figuras que evocam situações familiares, econômicas,
existenciais, expressivas da condição de fraqueza desprezada pela filosofia dos
poderosos.
A
terceira figura é a do "apóstata". Naquele tempo, se desencadeava
contra os judeus de Alexandria os primeiros massacres e as primeiras
perseguições. Diante do perigo, há quem trai a fé e prefira as teorias materialista
e hedonista. O apóstata, procura apagar o testemunho dos irmãos que
permaneceram fiéis. (vv. 12-20).
O Senhor vigia o caminho dos justos
Os versículos finais do cap.2
desmentem o projeto dos três personagens: - materialista, hedonista, apóstata.
O seu raciocínio é cativante, mas falso. Nestes versículos, o justo surge como
uma figura que é tudo, menos passiva ou resignada. Contrasta ativamente as
ações dos ímpios, com a sua retidão moral, com um estilo de vida alternativo àquele por eles praticado. Se
a entende com o Senhor; através dele, Deus se faz presente na história dos
homens e das mulheres, porque o justo goza de um profundo relacionamento com o
Senhor, feita de afetos, dedicação, desejo, esperança, profunda confiança. Tudo
isso lhe dá uma força incrível que lhe permite sustentar a oposição, os
insultos, as perseguições, as torturas, até a condenação à morte. O justo está
envergonhado, incomodado, é um crente que não aceita sofrer em silêncio, mas
resiste, opondo-se às ações de seus perseguidores, de modo a se tornar odioso
para eles. O justo testemunha com a sua existência que fomos criados, para a
vida eterna e para a imortalidade, para a vida e não para a morte. Somos
convidados a aderir a esta mensagem, não apenas na teoria, mas deixando que a
nossa existência seja nela envolvida. Não é uma passagem automática, deve ser
invocada na oração porque nossos "loghismoi" são fortes e atraentes.
Torna a Oração, um antídoto para pensamentos tristes.
VINCENZA
Filhinhas
minhas, espalhadas em todo o mundo, por vocês falo ao coração de todos os
homens, na urgência da realidade divina de Jesus vivo no meio do mundo, que só
pode vivificar em Deus, as realidades humanas. O coração do mundo, puro vê
Jesus, Deus - homem. Ó homem, feito o coração do mundo puro: verá Deus. Verá a
Verdade, a justiça, o amor, a vida. Verá que acima de tudo os bens humanos e
terrenos são Ele, o Senhor, o Amor, que contém tudo e tudo lhe dá. Doa o humano e o divino. Verá o valor da sua
vida de homem feita para ser homem em Cristo Jesus (II CdA, março de 1972).
Para Refletir:
Sentimo-nos desconfortáveis nos lugares onde somos chamadas a viver?
Como expressamos nosso desconforto?
Deixamos brilhar em nós, uma centelha de luz?
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