sexta-feira, 9 de março de 2012

1ª Parte- Estudo do Triênio

1. “DEUS CHAMA À VIDA AS COISAS QUE AINDA NÃO EXISTEM” (Rom. 4,17).

O termo vocação tem uma história no contexto do pensamento bíblico e cristão. O Antigo Testamento fala tanto de vocação pessoal como coletiva no sentido de um chamado a existir e a encontrar-se com o único e verdadeiro Deus, para ser enviado a manter viva a memória entre os povos e a desenvolver um dever específico na transformação do mundo em uma digna morada ao homem, com a certeza de poder contar com a ajuda divina. Para o Novo Testamento, vocação é o chamado a seguir Cristo e a agir como membro ativo do Corpo místico, que é a Igreja, para levar aos homens o anúncio da sua mensagem de salvação e testemunhá-lo com a vida.
Entre os séculos IV e V, o discurso vocacional começou a registrar um deslocamento da atenção. Esta foi dirigida, preferencialmente, à vida monástica e religiosa em primeiro lugar e ao sacerdócio ministerial depois, privando pouco a pouco essas mesmas “escolhas de vida” de sua justificação de fundo, que é a vocação cristã na qual essas se inserem e a partir da qual se desenvolvem.
O enquadramento do tema vocacional nessa ótica restrita levou, por sua vez, a selecionarem-se, no texto bíblico, apenas os trechos que se referiam ou que se presumia que dissessem respeito às assim chamadas “vocações de consagração especial”, resultando assim numa apresentação redutiva de toda a temática vocacional.
            Nos últimos anos, graças também à contribuição das ciências humanas, o termo vocação recuperou a conotação do seu originário significado bíblico. Esse diz respeito à própria concepção da pessoa como algo que a faz ser o que é e a diferencia das outras coisas. Por isso a pessoa humana não é mais considerada como uma realidade que tem uma vocação, mas, ela mesma, no mais íntimo de seu ser, uma vocação. Desse modo, o conceito de vocação estende-se a todo homem.
            Cada vida humana, portanto, é vocação. Isto é, um chamado a existir, a coordenar e a fazer frutificar com a ajuda de Deus, na condição de filhos adotivos, aquele conjunto de atitudes e de inclinações, que os homens possuem, em vista do cumprimento de um projeto e de uma missão no mundo.


1.1. A criação

            Um acontecimento fundamental domina a história da salvação: Deus falou. O primeiro grande chamado de Deus consiste em chamar à existência as coisas que não são: “Ele fala e tudo se faz, ordena e tudo existe” (Sal. 33,9).
            A criação da realidade cósmica a partir do nada parece representar o aspecto preliminar e geral de um chamado coletivo que precede e, portanto, funda a existência de todo ser. Deus se compraz no seu bem infinito e, em virtude dessa aprovação, decide livremente expandir sua bondade para fora de si, chamando aquilo que não é à existência. Ele faz isso não para aumentar o próprio bem ou para ter a posse de um bem que lhe fosse extrínseco, mas apenas para dilatar a circulação de vida e de amor que perpassa as Pessoas divinas.
O fato primordial do chamado dos seres à existência revela o mistério de um querer, de um desígnio, de uma iniciativa divina, que implica o voltar-se de Deus para as suas criaturas para enriquecê-las com o dom da existência, manifestação do seu amor benevolente. Mas isso também esclarece que cada ser criado não é absoluto nem autosuficiente, não estando pois em condições de dar a existência a si próprio.


1.2. O homem feito “à imagem de Deus”

Entre as criaturas existentes neste mundo, emerge o homem, expressão singular do ato criador divino. Ainda que retirado da terra, o homem não é um ser puramente material. Com uma intervenção especial, Deus o torna um “ser vivo” (Gen. 2, 7), formando-o à “sua imagem e semelhança” (Gen. 1,26).
            Lê-se no livro do Gênesis: “E Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança... Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou (Gen. 1,26-27).
            Então o Senhor plasmou o homem com pó do solo e soprou mas suas narinas um hálito de vida e o homem tornou-se um ser vivo” (Gen. 2-7).
            Desde os primeiros capítulos, a Bíblia descreve o homem numa perpectiva teológica, ou melhor ainda, teocêntrica. Cada homem a seu modo, participa da “imagem de Deus”, único e incomparável exemplar de inesgotável perfeição. Ele não a possui em plenitude, mas um germe que tende a crescer em proporção ao dom recebido e à resposta ao dinamismo de desenvolvimento do mesmo dom, que atingirá sua máxima perfeição na glória final. Por essa sua participação na “imagem de Deus”, o homem constitui-se como pessoa inteligente e responsável de suas ações, diferente de todos os outros seres e capaz de construir-se num horizonte de liberdade e de abertura a Deus, aos seus semelhantes e ao mundo material.

1.2.1. Criatura de Deus

            A categoria bíblica da “imagem de Deus”, aplicada ao homem e a ele apenas, focaliza, antes de tudo, a origem divina da vocação humana e a radical dependência que a pessoa humana tem de Deus. Em outras palavras, essa evidencia sua condição de criatura.
            A idéia de “imagem”não diz apenas que o homem, não tendo em si mesmo a origem da própria existência e não bastando a si mesmo, é finito, limitado e que, portanto, deve reconhecer sua dependência de Deus. Essa evidencia também que o homem goza de uma privilegiada relação com Deus, porque a sua realidade de “imagem” põe-no em condições de ser sinal e reflexo, ainda que imperfeito, da grandeza, potência e bondade divinas.
            A expressão “imagem de Deus” explicita que a dependência do homem de Deus não é momentânea, isto é, ligada apenas ao ato criador, mas reveste toda a existência. De fato, a imagem é relativa àquele do qual é reflexo de modo contínuo. Sem exemplar, não existe a imagem e essa sua relação e dependência não é algo de extrínseco ao ser humano, mas representa a realidade mais profunda e a própria perfeição. Como a figura projetada sobre um espelho depende do original, assim o homem recebe consistência e significado da sua permanente relação de dependência de Deus, de quem é “imagem”.
            Segundo a narrativa do Gênesis, o homem foi idealizado, desejado e chamado à existência para cumprir o papel de “imagem de Deus”.
            Tal papel não é uma forma acidental que se acrescente ou seja imposta de maneira externa  à substância humana, mas é o modo de ser e de comportar-se próprio da pessoa que tem Deus como ponto de referência e destino final.
            Além de seu peculiar relacionamento de criatura com Deus, o homem tem uma posição no universo, uma dignidade e funções que o caracterizam e o distinguem de todos os outros seres. O homem participa, ao mesmo tempo, da natureza dos seres inferiores (= “pó da terra”) e da natureza de Deus (= “hálito da vida”: Gen. 2,7).
            Por ser feito à “imagem de Deus”, o homem possui bens e cultiva aspirações que os outros seres não possuem e não cultivam. Quem desrespeita o homem, desrespeita a Deus, de quem o homem é imagem.
            Como “imagem de Deus”, a criatura tem a obrigação de comportar-se em harmonia com essa sua dignidade.  (Até aqui está no blog)

1.2.2. Interlocutor de Deus

            No concerto da criação, o homem é o único ser que tem a capacidade de manter um relacionamento dialogal com Deus. No mesmo momento em que Deus com seu “sopro vital” constitui o homem em seu próprio ser, infunde-lhe o desejo ardente do diálogo e do encontro com Ele. Depois de tê-lo criado “à sua imagem”, Deus não abandona o homem como se não estivesse mais interessado em seu futuro. Pelo contrário, Deus fala com ele, dá-lhe a possibilidade e a capacidade de conhecê-lo, entretém-se familiarmente com ele, manifesta-lhe a sua vontade. O diálogo de Deus com o homem inicia-se no primeiro instante da criação de Adão, no jardim do Éden. E não terá mais fim. Enquanto Deus comanda as outras criaturas de modo impessoal, ao homem Ele se dirige como pessoa livre e espera uma resposta (cf. Gen. 2, 16-17; Sir. 17, 1-11).
            Portanto, o homem não é uma realidade casual.
            É um ser chamado a cultivar a “imagem de Deus”que é ele. Deus, após tê-lo criado, manifesta-lhe suas propostas de diversas maneiras e o estimula a acolher os seus dons.
Instaura-se assim um diálogo em que Deus chama e o homem é solicitado a responder. A vocação evoca esse diálogo não isento de dificuldades e incertezas, de adesões e resistências, porque o homem pode condicionar ou também opor-se às iniciativas gratuitas com as quais empenha-se em colaborar com ele, para ajudá-lo a tornar-se o que ainda não é. Apesar dos obstáculos e das resistências do homem, Deus persiste em envolvê-lo no seu desígnio de amor.
O homem deve convencer-se de que valoriza sua existência à medida em que vive sua relação com Deus, numa atitude igual à da relação entre um pai e um filho.

1.2.3. Aberto aos seus semelhantes

            Um outro dado que brota da descrição simbólica dos primeiros capítulos do Gênesis é que o homem é, por natureza, um ser social. Isso o leva a descobrir em si mesmo uma inegável aspiração de comunicar-se com os outros homens. A complementariedade e a interdependência especificam seu modo de ser e de viver. O caminho da sociabilidade é aquele que o homem deve percorrer, se quer se realizar.
            Isso se deduz do fato de que Deus não criou o homem como indivíduo independente, mas como pessoa, isto é, como sujeito que é, ao mesmo tempo, princípio, centro e fim de relações. Desde sua criação, não quer que o homem permaneça só. Ao seu lado, pôs uma ajuda que lhe fosse semelhante (cf. Gen. 2,18), para que através da mútua colaboração o homem e a mulher, cada um a seu modo, contribuíssem para a própria complementação e o próprio amadurecimento.   
            A união do homem e da mulher representa a primeira forma terrena de comunhão de pessoas. Dessa deriva e nela se inspira, dentro de certos limites, toda forma de vida em sociedade, atenta a salvaguardar uma livre e fecunda troca de relações entre as pessoas, baseada não na prepotência e na força, mas no amor. Para exprimir a aliança estabelecida com o povo de Israel, e o próprio Deus evoca o simbolismo das núpcias (cf. Os. 2,16s. 21s.; Jer. 2,2.20; 31,3; Ez. 16, 1-43. 59-63).
            Relativo por constituição, o homem percebe que sua progressiva realização depende de um contínuo dar e receber. Seu crescimento não pode estar separado daquele dos outros homens. Portanto, os homens devem empenhar-se, juntos, em colaborar, para que todas as pessoas e as comunidades cresçam em humanidade, visto que toda vocação, mesmo sendo pessoal, guarda em si mesma uma exigência comunitária.

1.2.4. Artífice do seu destino

O homem é uma criatura sociável a quem Deus faz suas propostas e de quem espera uma resposta. Nesse contexto de chamado e de resposta, está o discurso das livres opções do homem, das responsabilidade que dela brotam e da sua vocação para construir o próprio destino.
O dom da existência, que Deus deu ao homem, não é uma realidade pronta e acabada que deve ser acolhida e conservada passivamente. É um projeto que o homem é convidado a receber, potencializar e completar com a contribuição de seu empenho e de suas firmes decisões para que se realize como homem, cultivando seus dotes e partilhá-los com os outros, em espírito de autêntica fraternidade.
            Junto com o dever de encaminhar-se em direção a sua plenitude, o homem tem também a obrigação de procurar por si mesmo os caminhos para conseguí-los. Não se trata de inventá-los, mas de descobrí-los através da leitura dos impulsos internos e dos acontecimentos com os quais Deus acompanha o homem na integração da própria iniciativa com a divina.
O tempo que o homem tem à sua disposição sobre a terra é um tempo de empenho e de responsabilidade. Um tempo em que ele prepara o que quer ser, com escolhas que respeitem sua dignidade de homem e as finalidades para as quais foi criado, sem esconder ou estragar os dons que Deus lhe concedeu.
            Infelizmente, não é sempre assim. Criado para viver unido a Deus e a dialogar com Ele, o homem pode eximir-se de aceitar esse destino. Não por acaso, as primeiras palavras que Deus dirige ao homem assumem a forma de uma proibição que põe à prova o exercício da liberdade humana: “Tu poderás comer de todas as árvores do jardim, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves, comer, porque, quando dela comeres, certamente morrerás”(Gen. 2,16-17).
            A proibição e as sanções contidas nesse texto das Escrituras mostram que Deus considera o homem capaz de responder “sim” ou “não” aos seus mandamentos e que suas respostas trazem conseqüências positivas ou negativas para o presente e o futuro de sua existência.
            É verdade, porém, que mesmo quando o homem se mostra surdo às ordens e aos convites de Deus e se afasta d’Ele, recusando-se a escutá-Lo, Deus continua a oferecer-lhe sua amizade, confirmando sua disponibilidade em retomar o diálogo interrompido pela criatura, para que esta se encontre e dê o melhor de si mesma na atuação do desígnio divino, do qual depende a construção do próprio destino temporal e eterno.

1.2.5. Colaborador de Deus

Logo que são criados, homem e mulher recebem a missão de comunicar a vida com o objetivo de povoar a terra, dominá-la (cf. Gen. 1, 26-28) e transformá-la em uma casa para seus filhos. Todas as outras criaturas a eles estão sujeitas (cf. Gen. 1,28; 9,7). Isso leva o salmista a perguntar-se “que é o homem para que dele Tu te lembres? Contudo Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos e o coroaste de honra: a ele deste poder sobre as obras de tuas mãos, tudo colocaste sob seus pés” (Salmo 8, 5-7).
O homem existe para desenvolver uma função específica no mundo. Sua vocação é uma vocação histórica. Ele é chamado à existência para que tome a direção do mundo, colocando-o a serviço das exigências da vida humana e conduzindo-o à plenitude de sua evolução, consciente de agir como colaborador e como executor das intenções divinas sobre a criação. E da criação o homem pode dispor como verdadeiro senhor (cf. Gen. 1,28; Sab. 2,23), contando que respeite o fim último da mesma criação e que não diz respeito à sua própria exaltação, mas à glorificação de Deus.

1.2.6.Coroamento da criação

            Por causa de sua semelhança com Deus, o homem aparece como o “contro e o vértice”(GS. 14) do mundo material. Ele é chamado à existência depois das outras coisas. Em sua criação, há uma ação direta e especial de Deus. Se antes de seu aparecimento o mundo era apenas “bom” (Gen. 1, 25), após ele, o mundo torna-se “muito bom” (Gen. 1,31).
            A “imagem de Deus” esculpida no homem faz dele, verdadeiramente, o coroamento de toda a obra criadora, o ponto mais alto em que brilha mais viva a presença e o poder de Deus. É verdade que a “imagem de Deus” foi deturpada pelo pecado e, portanto, também a criação “foi subemetida à vaidade” ( Rom. 8,20). Todavia, em sua condição de espírito encarnado, inserido no mundo, o homem, se não se fecha no próprio egoísmo mas se se deixa penetrar pelo dinamismo do amor divino, readquire a capacidade de “prolongar a obra do Criador”e de dar “uma contribuição pessoal” à realização do plano providencial de Deus na história (GS. 34). Ele colabora assim “com a própria ação para completar a divina criação”(GS. 67), transformando-a numa habitação do homem que corresponda ao desígnio que Deus tenha quando lhe imprimiu seu impulso criador.


2. “TEVE ASSÍDUO CUIDADO COM O GÊNERO HUMANO” (D.V. 3)

            No A.T. se delineiam dois tipos de vocações: uma coletiva e outra individual. A vocação coletiva se identifica com o chamado a formar um povo santo e sacerdotal que vive em aliança com Deus (cf. Ex. 19,3-6); as vocações individuais são ordenadas a desenvolver um ministério particular no meio do povo de Deus; tendem por si mesmas à formação e ao crescimento do povo Deus; são muitas as respostas concretas de Deus aos “gemidos” do povo (cf. Ex. 2, 23-4,9). Pondo-se ao serviço da  comunidade, os chamados, com suas missões, promovem a fidelidade do povo à aliança. Veremos a seguir, algumas vocações individuais do A.T. De cada vocação será ilustrada a origem, a missão e a resposta, a realização do chamado no plano pessoal.

2.1. CHAMOU ABRAÃO PARA FAZER DELE UM GRANDE POVO

            A vocação de Abraão (Gên. 12,1-3) é assim  fundamental na economia do livro de Gênesis, por constituir uma virada decisiva para a história da humanidade. Com a humilde submissão de Abraão e dos Patriarcas a Deus, a história da desobediência e das maldições, iniciadas no jardim do Éden (cf. Gên. 3,17), se transforma em história da obediência e da bênção.
O relato da vocação de Abraão é inserido num contexto mais amplo constituído de cinco trechos assim articulados: apresentação do país de Abraão e da descendência de Taré (Gên. 11,27-32); vocação de Abrão com relativo convite a deixar a sua terra para ir ao país que o Senhor lhe havia mostrado (Gên. 12,1-9); tentação de abandonar a terra prometida pelo rico país do Egito (Gên. 12,10-13,1); retorno à terra prometida (Gên. 13,2-18) e luta contra os inimigos para não perder o dom divino (Gên. 14,1-24).

2.1.1. Chamado Divino

            Com a diferença das outras vocações bíblicas, aquela de Abraão é introduzida secamente com estas palavras: “O Senhor disse a Abrão” (Gên. 12,1).
            É Deus que com a sua palavra criadora irrompe na vida deste arameu errante (cf. Dt. 26,5) e o transforma de politeista em monoteista, para fazer dele o pai de todos os crentes (cf. Rom. 4,11-12). A intervenção de Deus imprime uma nova orientação a toda a sua vida.
O chamado vem seguido de uma ordem precisa: “Deixa a tua terra, tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar” (Gên. 12,1). Isto supõe uma progressiva e real manifestação de Deus a Abraão, que culmina no chamado do qual a Escritura não conservou recordação. A existência de um fato místico, pelo qual Abraão foi feito objeto em Harã e que assinala o início de uma nova humanidade e de uma nova terra, não se pode colocar em discussão.
            A palavra de Deus que chama tem a força de arrancar Abraão do seu ambiente sócio cultural e de conduzí-lo a uma terra por ele desconhecida lançando-o num caminho de fé, cujo sentido excede a sua existência, investe toda a humanidade e se manifesta plenamente somente no século futuro (cf. Gál. 3,16). Como se pode ler na carta aos Hebreus, chamando Abraão, Deus lhe fez o pedido com a fé, numa obediência heróica: “pela fé Abraão, chamado por Deus,  obedeceu partindo para um lugar sem saber por onde andava” (Heb. 11,8). Todavia Abraão sabia, que podia contar totalmente com a ajuda de Deus, que manifestou-se a ele como seu protetor: “Nada temas, Abraão! Eu sou o teu protetor” (Gên. 15,1).


2.1.2. Missão de Abraão

            Convidado a deixar seu país, pátria, casa paterna para receber como sorte a bênção, Deus confia a Abraão a missão de ser um mediador e transmissor de bênção: “Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da terra serão benditas em ti” (Gên. 12,2-3).
            A sua missão de mediador e de abençoador para a humanidade inteira se entende não somente no contexto da história primitiva (Gên. 1-11): como pela desobediência de Adão a maldição recai sobre toda a humanidade (cf. Gên. 3,14-17; 4,11; 5,29; 9,25), assim pela obediência de Abraão a bênção de Deus passando por Isaac (Gên. 25,11) e Jacó (Gên. 27,30; 28,14), alcança Israel e em Cristo, o herdeiro da promessa (cf. Mt. 1,1; Gál. 3,16), verifica-se a participação da humanidade inteira.
            Com Abraão a bênção de Deus retorna sobre a terra.
            Ser bênção: esta é a vocação-missão de Abraão. Obterá a bênção, que flui de Abraão, a quem, como ele, crê e obedece ao Senhor. De Abraão se diz: “Crê no Senhor, como Abraão teve fé” (Gál. 3,9; Rom. 4,18).

2.1.3. Resposta ao chamado de Deus.

            A Abraão Deus pede uma ruptura radical com todas as ligações naturais e a partida imediata de sua terra. O imperativo “vattene” exprime de fato uma dúplice exigência da vocação: ruptura com o seu passado pagão, representado pela separação de tudo isto que tinha de mais caro, e imigração a um país escolhido por Deus e por ele desconhecido. As promessas de Deus são ligadas à execução de uma ordem “Então Abraão partiu como o Senhor lhe havia dito” (Gên. 12,4). Do “êxodo” de Abraão de sua região são lembradas as etapas de partida e de chegada (Harã e Canaã), das quais algumas paradas são significativas em sua demorada peregrinação à terra prometida: Siquëm e as montanhas do Oriente de Betel. Abraão atravessou a terra de Siquém, até o carvalho de Moré, Deus se manifesta a Abraão e renova a promessa (Gên. 12,7a); em Siquém Abraão constrói o primeiro altar e oferece o culto ao Senhor que o havia chamado (Gên. 12,7b). A segunda parada foi num lugar sobre a montanha ao oriente de Betel (Gên. 12,8). Estes dois lugares passaram para a história como santuários patriarcais. De Betel Abraão se transfere à Negeb, onde se acampa até que sobreveio uma fome na Região e sendo grande a miséria Abraão desceu ao Egito para aí viver algum tempo (Gên. 12,9-19).

2.1.4. Pai ao preço de uma vida

            A resposta à vocação-missão de ser mediador e transmissor de bênçãos para todas as gentes deixa Abraão em momentos dramáticos. Deus de fato lhe pede o sacrifício de uma tríplice separação da sua Região, do seu país de origem e da casa de seu pai. Em seguida àquela mesma palavra lhe pedirá para imolar o filho pela promessa: “Toma teu filho, o teu único filho que amas, Isaac, vá ao território de Moriá e oferece-o em holocausto sobre um monte que eu te indicarei” (Gên. 22,2).
            A ordem do Senhor é determinante: Abraão deve deixar a sua segurança em troca de uma terra que lhe será indicada e de uma promessa tendo em vista a descendência, também esta projetada no futuro. A promessa da descendência pesa por demais contra a evidência: Abraão é velho de 75 anos (Gên. 12,4) e Sara sua mulher, é estéril (Gên. 11,30). Com o passar dos anos, Abraão vê se esvair a esperança na promessa, tanto que dirá ao Senhor: “Eu me vou sem filhos e o herdeiro de minha casa é Eliezer de Damasco” (Gên. 15,2-3). Será a palavra de Deus a assegurar a Abraão, mas a promessa é ainda outra vez projetada no futuro: “Não é ele que vai ser teu herdeiro mas aquele que vai sair de tuas entranhas” (Gên. 15,4). É crendo na Esperança (divina) contra a esperança (humana), que Abraão se torna pai de uma multidão de pessoas (Rom. 4,18). A sua fé não vacilou nem mesmo quando, do nascimento de Isaac, Deus lhe pediu para oferecer em sacrifício o filho da promessa que tanto amava.
            É a fé em Deus a sustentar Abraão pela via da obediência e a dar-lhe a força para deixar um destino seguro para receber a sorte na esperança de uma terra nova e um povo numeroso, e ser uma bênção para todas as famílias da terra. No seu caminho de fé, Abraão é sustentado pela promessa divina, que sempre o acompanha, e a fidelidade de Deus à palavra dada; uma palavra que pouco a pouco se manifesta em toda a sua caminhada e faz com que o futuro se torne presente.

2.1.5. Realizações pessoais de Abraão.

            A realização da nova personalidade de Abraão passa pelo caminho do sacrifício de alguns valores terrenos (país, pátria, casa paterna) e comporta a adesão plena à promessa de Deus. Ao subtrair Abraão de um destino seguro, Deus lhe traça um outro plano de muito superior: “Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. (Gên. 12,2). A fé heróica e a obediência pronta não comprometem a personalidade de Abraão; ao contrário contribuem para realizar nele um projeto de Deus que quer fazer dele o “grande pai de uma multidão de pessoas” (cf. eclo. 44,19). É de fato a bênção divina a tornar Abraão muito fecundo e a fazer dele “nações” (Gên. 17,6).
O fato é notado pela própria troca do nome: “Não te chamarás mais Abrão, mas te chamarás Abraão, porque pai de uma multidão de povos” (Gên. 17,5). Não obstante a sua formulação ao futuro, Abraão antegoza em “germe” as promessas de Deus. No nascimento de seu filho Isaac de Sara, com noventa anos e estéril, Abraão, centenário, vê realizarem-se os seus desejos e adquire a certeza que todas as palavras do Senhor, mesmo que projetadas no futuro, terão pleno cumprimento.
“Ajudar a todos, dar alegria a todos, servir a todos, grandes e pequenos, familiares e estranhos: esta foi a verdadeira missão de Antonieta” durante toda a sua existência.
 (Vida de Família 1/1998)

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