terça-feira, 6 de março de 2012

2ª Parte- Estudo do Triênio

2.2. CHAMOU MOISÉS DE UMA SARÇA ARDENTE

            Se a vocação de Abraão exprime o chamado de um homem da idolatria à fé (cf. Jos. 24,2-3.14) aquela de Moisés é um chamado de um indivíduo ao qual Deus confia uma missão superior de libertar os filhos de Israel, depositários da bênção (cf. Gên. 27; 48-49), no momento oprimidos na terra do Egito (cf. Ex. 1,8-14).
            Como Abraão é a resposta de Deus aos “gemidos” de uma humanidade oprimida pelo peso de sua própria “arrogância”, Moisés é a resposta concreta de Deus aos “gemidos” dos Israelitas, oprimidos pelo.faraó. “Os Israelitas gemeram por sua escravidão, fizeram subir gritos de lamento e do fundo de sua escravidão, subiu o seu clamor até Deus. Agora Deus ouviu os seus gemidos e lembrou-se de sua aliança com Abraão, Isaac e Jacó. Olhou para os Israelitas e os reconheceu” (Ex. 2,23-25). Deus responde ao grito dos Israelitas irrompendo na história e chamando Moisés, o salvo das águas, para mandá-lo a libertar o seu povo da escravidão dos egípcios.

2.2.1. Manifestação de Deus.

O salvo das águas é adotado pela filha de faraó (Ex. 2,10). Moisés permanece na corte do rei do Egito até a idade madura. O qual, como se lê no livro dos Atos, vem educado “em toda a sabedoria dos Egípcios” (At. 7,22). Quando chegou aos quarenta anos (cf. At. 7,22), veio-lhe à mente visitar seus irmãos, os filhos de Israel. Descoberto o seu estado de opressão toma a sua defesa (Ex. 2,12). Sentindo-se rejeitado pelos seus próprios irmãos na fé (Ex. 2,14) e perseguido de morte pelo faraó (Ex. 2,15), Moisés rompe com o seu passado e, fugindo encontra refúgio numa tribo de madianitas (Ex. 2,15-22), onde, como no tempo dos patriarcas, também se dedica a apascentar o rebanho (Ex. 3,1).
Na solidão do deserto Moisés encontra Deus, que se lhe revela como o Deus dos pais e lhe fala das promessas. O encontro tem lugar no deserto “ao monte de Deus”. O deserto, visto como ambiente natural da revelação e da salvação, é o lugar onde Deus se manifesta a Moisés. A atenção é atraída por uma “sarça” ardente que arde no fogo sem consumar-se (Ex. 3,2). Curioso pelo fato, Moisés decide dar uma volta ao seu redor para entender de que coisa se trata. (Ex. 3,3). É Deus que irrompe na vida de Moisés e se lhe revela em um dos tantos “sinais”, que, na Bíblia denotam a presença divina. Também na vocação de Moisés, a visita divina é repentina e imprevista. É Deus que se revela a Moisés, entrando em diálogo com ele, e não Moisés que vai à procura de Deus.

2.2.2. Chamado Divino

Ao aproximar-se de Moisés Deus faz ouvir a sua voz, chamando-o pelo nome e dirigindo-lhe a palavra. Moisés dá-se conta de encontrar-se na presença misteriosa de alguém que o conhece intimamente: chama-o de fato repetindo por duas vezes o seu nome (Ex. 3,4-6).
            Na descrição da vocação de Moisés encontramos o verbo “chamar”, um verbo vocacional por excelência. Interpelado por Deus, também Moisés, como a criação (Br. 3,35), Samuel (1 Sam. 3,1-10) e o profeta Isaias (cf. 6,8), responde prontamente “Eis-me aqui!”
            A palavra de Deus, que chama, exige de fato prontidão no acolher o convite e generosidade para colocar-se a disposição da missão pela qual alguém é chamado.
O Deus que chama Moisés e lhe confia a missão de libertar o povo da opressão egipciana, é o mesmo Deus que se revelou aos Pais (Ex. 3,6). Não é portanto um Deus desconhecido, mas o Deus que elegeu Abraão e que prometeu fazer dele uma grande nação, o Deus da aliança, o custódio dos Patriarcas que os acompanhou em todas as suas peregrinações e que neste momento veio visitar Israel para fazê-lo sair do Egito para o país que Ele havia prometido com o juramento de dar a Abraão, a Isaac e a Jacó. Moisés entra assim na dinâmica da história da salvação, e como ele foi salvo das águas, assim por seu meio Deus veio visitar e salvar o seu povo que geme sob a opressão dos egípcios.

2.2.3. Missão de Moisés

            Chamado Moisés, Deus lhe confia o dever de libertar Israel da opressão egipciana. “Eu vi, eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores, eu conheço de fato seus sofrimentos. E desci para o livrar das mãos do Egíto e para fazê-lo sair deste país para uma terra fértil e espaçosa, uma terra que mana leite e mel, lá onde habitam os cananeus, os hiteus, os amorreus, os ferrezeus, os heveus e os jabuseus. Agora eis que os clamores dos Israelitas chegaram até mim, e vi a opressão que lhes fazem os egípcios”. (Ex. 3,7-9).
            No plano de Deus a opressão tende a tornar cientes os Israelitas que são o povo da aliança e depositários da promessa feita por Deus aos Pais. Tomados e absorvidos por outras preocupações, os Israelitas não foram capazes de ter viva em si mesmos a “esperança” dos Pais. Se a promessa da posteridade tivesse se tornado realidade (cf. Ex. 1,7.9), aquela da “terra” deveria ainda cumprir-se.
            Sob o peso da opressão, os Israelitas levantaram gritos de lamento e seus gritos subiram até Deus que ouviu o seu lamento, se recordou da sua  aliança com Abraão e Jacó, enviou Moisés e libertou-os.
            A missão de Moisés, o libertador, se verifica em duas direções: nos confrontos com o faraó (Ex. 3,7-10) e nos confrontos com os Israelitas (Ex. 3,16-20).
            Moisés recebe a ordem de apresentar-se ao faraó em nome do Deus dos Hebreus para pedir-lhe que deixe livre o seu povo (Ex. 3,10).
            Aos Israelitas Moisés deve recordar as promessas feitas por Deus aos Pais (Ex. 3,16-17).
            Em nome do Deus dos Pais, Moisés liberta o povo da opressão egípcia e os cunduz a viverem a aliança e as promessas na terra de Canaã (cf. Ex. 6,6-8).

2.2.4. Objeções de Moisés

            Ao comando de Deus: “Vai, eu te envio para tirar do Egito os Israelitas, meu povo” (Ex. 3,10). Moisés contrapõe sua fraqueza de pastor de ovelhas, na vã tentativa de resistir ao chamado divino que sente superior às suas forças (Ex. 3,11).
            À objeção de Moisés, comum na Bíblia a outras vocações (cf. Jz. 6,15; Is. 6,5; Jer. 1,6; etc), segue a garantia da proteção de Deus, expressa na fórmula clássica: “Eu estarei contigo” (Ex. 3,12). O sucesso da missão não dependerá da sua capacidade humana, mas da ajuda de Deus.
            Moisés se rende. A nova obediência tem fundamento na sua própria pessoa: “Ah, Senhor! Eu não tenho o dom da palavra; nunca o tive, nem mesmo depois que falastes ao vosso servo; tenho a boca e a língua pesadas” (Ex. 4,10; cf. 6,12). Deus responde à nova objeção assegurando a sua ajuda: “Vai, pois eu estarei contigo quando falares e ensinar-te-ei o que terás a dizer”(Ex. 4,12).
            Moisés faz uma última tentativa para subtrair-se à difícil missão (Ex. 4,13) provocando assim a cólera de Deus (Ex. 4,14). Diante da reação do Senhor, cai nele todo o ulterior capricho de resistir-Lhe. Obtém todavia compreensão e, na sua real dificuldade de palavras, o Senhor consente que seja ajudado por seu irmão Aarão (Ex. 4,15).
            Para libertar o seu povo escolhe um homem balbuciante, já rejeitado por seus irmãos, fugindo para o país de Madiã, e o constitui “chefe e juiz” sobre seu povo. Sustentado pela força que vem do Senhor, Moisés volta ao Egito e reivindica para todos os seus irmãos oprimidos, a dignidade de filhos de Deus (Ex. 4,22-23).

2.2.5. Revelação do nome

            A objeção de Moisé: “Quem sou eu para ir ter com faraó”(Ex. 3,11), o Senhor responde assegurando-lhe a sua proteção: “Eu estarei contigo”. Moisés não se contenta; deseja conhecer o nome de Deus, isto é, a sua pessoa (Ex. 3,13). O conhecimento do nome de Deus, pedido por Moisés tem por fim fazer acreditar sua missão junto ao povo. A resposta de Deus a sua pergunta está contida em três colocações que exprimemo o conteúdo do nome do Senhor, capaz de fazer crer junto ao povo a missão de Moisés: “EU SOU AQUELE QUE SOU!” “EU SOU envia-me junto de vós”, “O Senhor, o Deus dos vossos Pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó é que me envia junto de vós”(Ex. 3,14-15).
            Ao pedido de Moisés, Deus responde revelando o seu nome, isto é, manifestando e fazendo conhecer a ele e a todos os Israelitas que Ele é “aquele que está presente” em meio ao seu povo para libertá-lo da opressão de faraó,  “aquele que está presente” com Moisés na história da salvação e pronto a agir por meio do seu eleito (Ex. 6,6-8).
            Não somente os Hebreus, mas os próprios egípcios, saberão que “EU SOU” não é um nome vazio. O faraó, na sua arrogância, não poderá opor-se ao longo à vontade salvífica e soberana do Deus dos Hebreus.
            “EU SOU” é portanto aquele cuja essência é existência; aquele que na sua existência não depende de ninguém; o Senhor do cosmo e da história, o salvador de Israel. Como tal quer ser reconhecido e invocado por todos, de geração em geração (Ex. 3,15).

2.2.6. Realizações Pessoais de Moisés

            A resposta ao chamado de Deus permite a Moisés de realizar-se não como “filho adotivo” da filha do faraó, não como “pastor de ovelhas” à dependência de Jetro, seu sogro, mas como enviado de Deus e por Ele mesmo constituído “chefe e juiz” de Israel (cf. Ex. 2,14; At. 7,27.35), isto é, como libertador e mediador da aliança, como profeta e legislador do povo de Deus, como intercessor.
            Os muitos “sinais e prodígios”, feitos por Moisés no Egito, são ordenados a fim de que creiam nele os Israelitas e o próprio faraó como autêntico enviado por Deus (cf. Ex. 10,1), e convencer o faraó a deixar partirem os Israelitas do seu país e a ceder a sua arrogância. A subordinação aos “sinais e prodígios” a palavra, permite distinguir os “prodígios” efetuados por Moisés, verdadeiro profeta, dos “mágicos” dos magos egípcios, falsos profetas.
            A nova personalidade de Moisés se realiza sobretudo como mediador da aliança. A aliança do Sinai de fato está toda relatada no livro do Êxodo. Aqui a aliança familiar de Abraão (cf. Gên. 17) transforma-se em aliança nacional, na qual vêm proclamadas as prerrogativas sacerdotais e reais do povo de Deus (cf. Ex. 19,3-6).
            Moisés não é somente o “chefe” do povo da aliança, mas também o “profeta”, cheio do Espírito do Senhor (cf. Nm. 11,25), pois fala em nome de Deus (cf. Ex. 19,6-8; 20,19; Dt. 5,1-5) é o legislador que transmite aos filhos de Israel a lei divina e ensina a eles o caminho a seguir para agradar o Senhor e obterem a vida (cf. Ex. 18,19-20; 20,1-17; Eclo. 45,1-6).
            A personalidade de Moisés se exprime sobretudo na sua grande sensibilidade para com o povo, com o qual condivide “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias”, na sua função de intercessor. Com suas orações Moisés assegura a Israel a vitória sobre os inimigos (cf. Ex. 17,9-13) e obtém de Deus o perdão dos pecados para um povo infiel e de dura cerviz.
            A verdadeira personalidade de Moisés é aquela de ser mediador entre Deus e o povo. Sobre esta linha ele se realiza plenamente, também quando a convivência entre as exigências de Deus de um lado e de outro um povo com “coração de escravos” se torna impossível. A sua vocação é viver todo o choque dramático “rezando” para que o perdão ligue estas duas difíceis alianças, ratificada pelo sangue (Ex. 24, 3-8; Dt. 9,25; Sal. 106,23).

2.3. GUIOU JOSUÉ NA TERRA PROMETIDA

Josué, que estava a serviço de Moisés desde a sua juventude (Nm. 11,28; cf. Ex. 24,13), é chamado a sucedê-lo no ministério. Depois que Moisés foi excluído para entrar na terra prometida, Deus confia a Josué o encargo de levar a cumprimento a obra da libertação iniciada no Egito.
            A vocação de Josué, descrita em Nm. 27, 18-20 e Dt. 31,1-8.23, apresenta novos elementos, em relação àqueles já examinados. Ele não é chamado diretamente  por Deus, mas por meio de uma terceira pessoa, isto é, na mediação de Moisés; além disso pela primeira vez testemunha o rito da imposição das mãos.

2.3.1. Chamado Divino

            A diferença de tantas outras vocações do A.T. e N.T., naquela de Josué falta um intervento direto de Deus (palavra, visão, manifestação); essa aparece através de um mediador, Moisés, a quem é dito: “Toma Josué filho de Num, no qual reside o espírito (Nm. 27,18a) e impõe-lhe a mão. O verbo “tomar” tem aqui o significado de “eleger”, “chamar”. Este modo de indicar a vocação é freqüente na Sagrada Escritura. Para cada chamado, individual ou nacional, que seja, se pode dizer que é um “eleito”, isto é, um tomado, possuído por Deus. Além do verbo “tomar”, com senso vocacional, a Escritura conhece também a expressão “tomar pela mão”.
            Com o verbo “tomar” o A.T. indica algumas das vocações mais significativas da Bíblia: Abraão, Davi (cf. 1Sam. 16, 11-13; 2Sam. 7,8), Amós (Am. 7,14-15), Isaias (8,11), o Servo do Senhor (Is. 42,6), Zorobabel (Ag. 2,23) e mesmo Jeroboão, primeiro rei do reino de Israel (1Re. 11,37).
O verbo “tomar” em Nm. 27,18a é portanto, um verbo vocacional o qual inclue e exprime o projeto de Deus sobre Josué. Projeto que não lhe será revelado diretamente por Deus, mas indiretamente pela mediação de Moisés (cf. Dt. 31,14) A presença do “Espírito”, do qual, Josué era possuído pelo tempo (cf. Nm. 11,24-30), denota que o candidato, eleito à sucessão de Moisés, possui a qualidade exigida para a Missão de guia do povo, que Deus estava por confiar-lhe, e que, ele haverá de introduzir na terra prometida.

2.3.2. Rito de investidura

            Chamado a suceder Moisés, Josué recebe a autoridade por meio da imposição das mãos. Com este rito de investidura, ele é preenchido pelo “Espírito de Sabedoria” (Dt. 34,9) e lhe é outorgada a capacidade de exercitar a função de chefe do povo de Deus, com relativos poderes.
            A imposição das mãos é um rito várias vezes testemunhado já no A.T. com diversos significados. Pode indicar: 1) a riqueza da bênção que os Patriarcas transmitiam aos seus filhos (cf. Gên. 48,13-20); 2) a união íntima existente entre a vítima e o oferente (cf. Núm. 8,10-16; Lv. 1,4; 3,2; 4,4; 16,21-22); 3) o tomar posse de um ofício, com relativo outorga de poder, como no nosso caso.
A imposição das mãos sobre Josué da parte de Moisés, se desenvolve na presença do sacerdote Eleazar e de todo o povo. De fato disse o Senhor a Moisés: “Toma Josué... impõe-lhe a mão. Apresentá-lo-ás ao sacerdote Eleazar e a toda a assembléia, e o empossarás sob os seus olhos”. (Num. 27,18b-19).
            Com este rito, Moisés transmite a Josué parte da sua autoridade de “chefe e juiz”. Naquele momento Josué é formalmente reconhecido chefe de Israel; a ele todo o povo deve obediência.

2.3.3. Missão

            Dúplice é a missão conferida a Josué mediante a imposição das mãos: uma carismática e a outra político-militar. Enquanto chefe carismático, Josué é um homem “cheio de sabedoria” (Dt. 34,9). Também se inferior a Moisés, os Israelitas reconhecem nele o novo guia do povo e lhe obedecem como já haviam obedecido a Moisés. Por ser guia espiritual do povo Josué não deverá mais se distanciar da lei do Senhor, mas meditá-la dia e noite, para ser capaz de operar segundo o que lhe é prescrito (Js. 1,8), transmitir ao povo a palavra de Deus (cf. Js. 20,1-6) e tornar a chamá-lo à fidelidade, à aliança concluída com Deus no deserto (Js. 22,1-8; 24,1-24), o qual lhe fará renovar na grande assembléia de Siquém.
            Enquanto chefe militar, Josué recebe o dever de introduzir Israel na Terra prometida. Na condução do seu papel de condutor, é ajudado e preparado pelo sacerdote Eleazar, o que ele é levado a consultar antes de agir, para saber se as operações militares que está para empreender valem a pena e se são agradáveis a Deus (Nm. 27,21).

2.3.4. Resposta ao chamado de Deus

            Não se conhece qual tenha sido a reação de Josué ao chamado de Deus, isto é, como Moisés, tinha oposto resistência, apresentando as suas objeções, ou se, como Abraão, havia aderido pronta e generosamente.
            Sabemos somente que, como em todas as vocações do A.T. e do N.T., Deus assegura a Josué a sua ajuda. Na presença de todo o povo, Moisés disse a Josué: “Mostra-te varonil e corajoso porque entrarás com este povo na terra que o Senhor jurou dar a seus pais, e a repartirás entre eles. O Senhor mesmo marchará diante de ti; e estará contigo, não te deixará, nem te abandonará. Nada temas, e nem te amedrontes”. (Dt. 31,7-8). Também para Josué a presença divina (eu estarei contigo... não temas) é a garantia da proteção divina no cumprimento da missão. As mesmas coisas são repetidas por Deus a Josué depois da morte de Moisés (Js. 1,5-7).
            A Moisés, mediador da vocação, Deus confia também o dever de torná-lo forte e infundir coragem a Josué (Dt. 3,28, cf. 1,38), isto é, assegurar a ele e ao povo que mais uma vez, como na saída do Egito, Deus os precederá e combaterá a favor deles.

2.3.5. Realizações Pessoais de Josué

            Feito partícipe da autoridade de Moisés, mediante o rito da imposição das mãos, Josué torna-se e é por todos reconhecido como “pastor”, isto é, chefe carismático e militar da comunidade dos Israelitas. Sustentado pela proteção divina “eu estarei contigo, não temas” e confiado ao sacerdote Eleazar, Josué guia com segurança Israel à conquista da terra de Canaã, conforme as promessas feitas por Deus a Abraão. O autor do livro de Josué nos informa que “de todas as belas promessas, que o Senhor havia feito à casa de Israel, não falhou nenhuma, todas se cumpriram” (Js. 21,45). É sob a guia de Josué, chefe militar, que Israel tomou posse da terra de Canaã e Deus concede ao seu povo “repouso” sobre todas as fronteiras.
            Como chefe carismático, Josué recebeu de Deus o dever de andar nos caminhos do Senhor. Como se pode deduzir através de um testemunho do próprio Josué, a sua função de “pastor” teve sucesso também sob este aspecto: De fato dirá aos Israelitas “Observastes o que vos ordenou Moisés, servo do Senhor; e obedecestes a todos os mandamentos que vos dei” (Js. 22,2). No seu discurso de despedida (Js. 23), após ter recordado as grandes maravilhas de Deus na história da salvação, Josué exorta os filhos de Israel a perseverarem na observância da lei de Moisés sem se desviarem nem a direita e nem à esquerda, e, como no passado, a permanecerem fiéis ao Senhor seu Deus (Js. 23,6-8).
            A vida de Josué termina em idade avançada, depois da grande assembléia de Siquém (Js. 24,29-30), com a satisfação de ver todas as tribos reunidas em Siquém para renovar a aliança na terra prometida.


2.4. CHAMOU PELO NOME O JOVEM SAMUEL

            Samuel aparece num momento crítico da história de Israel, isto é, na passagem da estrutura tribal do povo de Deus, típica do período dos Juízes, aquela da monarquia. Desta história Samuel é intérprete e árbitro.
            A péssima condição religiosa e política na qual se encontrava Israel, e da qual sofria no último período do serviço sacerdotal de Elias, por causa da perversão dos seus filhos (cf. 1 Sam. 2,27-36), Deus responde escolhendo Samuel para salvar o seu povo, reconduzindo-o à obediência a palavra de Deus e fazendo-o sair da anarquia tribal na qual se encontrava, dando-lhes um homem capaz de iniciar a história da unidade nacional.

2.4.1. O papel da mãe na vocação de Samuel

            A vocação de Samuel constitui um caso todo particular, que não é encontrado em outra vocação do A.T.. Pela primeira vez, vem o mensageiro de fato, ressaltar o papel próprio da mãe, tanto na origem, quanto na formação de uma vocação.
            Samuel é um “dom” de Deus para Anna, que lhe havia suplicado “no excesso de sua dor e de sua amargura” (1Sam. 1,16), e um “dom de Anna ao Senhor” (1Sam. 1,11), o qual se recordou dela. A sua vocação todavia não é atribuída à mãe, que o ofertou ao serviço do Tabernáculo, mas unicamente a Deus que o chama e o doa qual profeta e juiz ao seu povo num tempo em que “a palavra do Senhor era rara” (1Sam. 3,1).   Fiel ao voto feito em Silo (1Sam. 1,11), depois de haver desmamado seu filho, Anna o conduz ao templo de Silo para ofertá-lo ao Senhor. A sua formação, iniciada em Ramá pela mãe, é continuada com o cuidado do sacerdote Eli em Silo, onde Samuel prestava serviço ao Senhor, o quanto podia como uma criança (1Sam. 2,18). Aqui, sob a guia de Eli, que funcionava como pedagogo e confortado pela visita anual dos pais ((1Sam. 2,19), Samuel “crescia em estatura e bondade diante do Senhor e dos homens” (1Sam. 2,26).

2.4.2. Chamado divino

            Num tempo em que “a palavra do Senhor era rara e as visões não eram freqüentes” (1Sam. 3,1b), a palavra de Deus, inesperada por Eli e pos seus filhos, irrompe com forç na história e, como já no passado, chama pelo nome um jovem e o constitui profeta (1Sam. 3,4.6.8.10). A cenografia da vocação de Samuel é  por tudo, extraordinária. É noite. Samuel dorme nos arredores do templo onde estava a arca da aliança, com o encargo de vigiar a lâmpada no lugar do idoso Eli, que não podia mais vê-la. O jovenzinho ouve chamá-lo pelo nome (1Sam. 3,4). Acordado pela voz, Samuel responde: “Eis-me aqui”, e corre a Eli. O fato se repete por três vezes. Depois da segunda chamada, o autor do livro de Samuel repara o fato que até aquele momento o jovenzinho não havia ainda conhecido o Senhor, não lhe tinha sido ainda revelada a palavra do Senhor (1Sam. 3,7). O Senhor torna a chamar Samuel pela terceira vez. Ele se levantou e aproximou-se de Eli. Este não teve mais dúvidas. Compreendeu que é Deus a chamar Samuel pelo nome, por isso o ajuda a identificar a misteriosa “voz”, sugerindo-lhe também como responder ao Senhor: “Vai deitar-te e se te chamar de novo, dirás: “Fala, Senhor, que o teu servo escuta” (1Sam. 3,9).
            Depois que Samuel foi deitar-se no seu lugar, veio o Senhor e ficou ali presente, e o chama, como das outras vezes pelo nome. Instruído por Eli a identificar-se, à palavra que o interpela, a voz do Senhor, Samuel responde: Fala Senhor, que o teu servo te escuta” (1Sam. 3,10). O Senhor se revela pela primeira vez a Samuel no santuário de Silo. Aqui, na mediação do velho Eli, sacerdote e juiz da tribo de Israel, Samuel toma consciência do projeto que Deus tem sobre ele, e, sem opor resistência alguma, se coloca a serviço da missão que o Senhor está por confiar-lhe.

2.4.3. Missão

Deus confia a Samuel uma dúplice missão: o de profeta (1Sam. 3,20) e a de juiz (1Sam. 7,16).
            Enquanto profeta, Samuel é porta-voz de Deus, o defensor de seus direitos e o executor dos seus desígnios. Tudo o que ele diz, acontece sempre (1Sam. 9,6); nenhuma palavra do Senhor caiu por terra (1Sam. 3,19).
            A este jovenzinho Deus confia um julgamento para transmitir ao sacerdote Eli, seu instrutor e mediador na vocação (1Sam. 3,11-14).
O autor do nosso livro, num breve sumário, reassume toda a atividade profética de Samuel, fazendo-o ver como o seu carisma profético é universalmente reconhecido (1Sam. 3,19-4,1).
Enquanto juiz, Samuel pronuncia as “decisões” de Deus. Ao povo que vem “consultar o Senhor” nos vários santuários e que o interroga não somente sobre os problemas relativos ao culto, mas também sobre aqueles concernentes à justiça, ele dá as respostas detalhadas da tradição, dos quais todo sacerdote deve ser períto, e do código da aliança (1Sam. 7,15-17).
            Por ser um “juiz” pacífico, Samuel não estranha a situação política: convida o povo a voltar ao Senhor, a eliminar todos os deuses estrangeiros, a direcionar ao Senhor os seus corações, e a servir somente a Ele, se querem ser libertos das mãos dos Filisteus. Seguros pela oração de Samuel e favorecidos pela ajuda do Senhor, os Israelitas derrotam os filisteus e se libertam da sua opressão por todo o tempo em que Samuel permaneceu como “juiz” de Israel (1Sam. 7,3-15).

2.4.4. Resposta ao chamado de Deus

            Na resposta de Samuel a vocação de profeta e de juiz falta uma objeção qualquer com relativa garantia da parte de Deus. Um aceno à proteção divina pelo eleito existe no sumário do livro de Samuel, onde se diz que “Samuel conquistou autoridade porque o Senhor estava com ele, e nenhuma das palavras que lhe dissera deixou cair em terra” (1Sam. 3,19).

2.4.5. Realização pessoal de Samuel

A realização pessoal de Samuel se concentra sobre duas linhas: como levita-nazireo, que presta serviço ao Tabernáculo no templo de Silo, e como profeta-juiz de Israel, que transmite ao povo a palavra de Deus e o liberta da opressão dos Filisteus. O segredo desta sua realização pessoal é encontrado na “consagração ao Senhor”e na “plena obediência à palavra de Deus”.
No primeiro período, o autor sacro nota o fato que o filho de Anna, em oposição ao filho de Eli, crescia não só como homem (em estatura), mas também espiritualmente (em bondade). Deste seu crescimento harmônico sobre o plano físico, psíquico e espiritual são testemunhas Deus e os seus contemporâneos (1Sam. 2,26).
Não é diferente o juízo sobre o segundo período da vida de Samuel.
Afirma-se dele como profeta que era grande e acreditato como tal, pelo Senhor junto ao povo (1Sam. 3,19-20).
De Samuel, enquanto juiz, se diz que exerceu este ofício por todo o tempo de sua vida e em diversas localidades (1Sam. 7,15-16). Convicto do vínculo estreitíssimo que ocorre entre a liberdade de reencontrar a fé e mantê-la, ele instrui o povo com o exemplo e com palavras a obedecerem ao Senhor e a retornarem a Ele com todo o coração. Deve-se a sua constante pregação, unida a uma oração não menos obstinada, através da qual, Israel readquire a independência dos Filisteus, condição indispensável pela própria fidelidade do povo à aliança (1Sam. 7,2-14).
Exemplo de fidelidade à própria vocação-missão, vista num contexto de profundas transformações, Samuel indica na fiel escuta à palavra de Deus e na obediência a mesma, o caminho para uma autêntica promoção da pessoa humana e para a plena realização de toda vocação.


LEITURA

A religião judaica

            Observando o mistério da Igreja, este Sacro Concílio recorda o vínculo com o qual o povo do N.T. é espiritualmente ligado com a estirpe de Abraão.
            A Igreja de Cristo de fato reconhece que o início da sua fé e da sua eleição se encontram já, segundo o mistério divino da salvação, nos patriarcas, em Moisés e nos profetas. Essa afirma que todos os fiéis de Cristo, filhos de Abraão, segundo a fé, são inclusos na vocação deste patriarca e que a salvação pela Igreja é misteriosamente prefigurada no êxodo do povo eleito da terra da escravidão. Por isto a Igreja não pode esquecer que recebeu a revelação do Antigo Testamento por meio daquele povo com o qual Deus, na sua inefável misericórdia, se dignou de estreitar na antiga aliança, e que essa se nutre da raiz da oliveira boa sobre os quais foram enxertados os ramos da oliveira selvática que são os povos pagãos. A Igreja crê de fato que Cristo, a nossa paz, reconciliou os hebreus e os povos pagãos por meio da sua cruz e dos dois fez um só em si próprio.
            A Igreja não obstante tem sempre diante dos seus olhos nas palavras do apóstolo Paulo, o cuidado com os homens de sua estirpe, “os quais participam da adoção filial, a glória, os pactos das alianças, a legislação, o culto, as promessas, aos quais pertencem os patriarcas e dos quais descende o Cristo, quanto à carne ele que é acima de tudo, Deus bendito pelos séculos!” (Rm. 9,4-5), filho de Maria virgem. Isso recorda também que do povo hebreu são nascidos os apóstolos, fundamento e colunas da Igreja, e muitíssimos dos primeiros discípulos os quais anunciaram ao mundo o Evangelho de Cristo.
            Como atesta a Sagrada Escritura, Jerusalém não reconheceu o tempo em que foi visitado; os hebreus, em grande parte, não aceitaram o Evangelho, e antes não poucos se opuseram à sua difusão. Todavia, segundo o apóstolo, os hebreus, pela graça dos patriarcas, continuam ainda amados por Deus, a cujos dons e chamados não se arrependeram.
            Com os profetas e com o próprio apóstolo a Igeja espera o dia que só Deus conhece, no qual todos os povos aclamarão o Senhor com uma só voz e “o servirão sob um mesmo jugo” (Sof. 3,9).
            Portanto, sendo grande o patrimônio espiritual comum aos cristãos e aos hebreus, este Sacro Concílio quer promover e recomendar entre eles o mútuo conhecimento e estima, que se obtém sobretudo nos estudos bíblicos e teológicos e de um e de um diálogo fraterno (da declaração conciliar “Nostra Aetate” nº 4).

Nenhum comentário:

Postar um comentário