sexta-feira, 4 de maio de 2018

3 - O mandamento novo - 1 Jo 2,7-17 (lê na Bíblia)

O mandamento novo
«Carissimo, não vos escrevo um novo mandamento…» (2,7). Faz aqui a sua primeira aparição de um tema que se verá muitas vezes no decorrer da carta e verificado em tudas as suas tonalidades: o tema de amor. Um tema que vem exposto através quela expressão já usada no quarto Evangelho próprio para indicar o amor fraterno e recíproco sobre o exemplo de Jesus: «Vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros…» (Gv 13,34).

O «mandamento novo», que o autor da carta ricorda aos seus destinatários, não é outra coisa do que o mandamento que a primeira comunidade cristã recebeu de Jesus come sinal distintivo da própria pertença a Ele: «Por isto todos saberão que sois meus discípulos: se tiveres amor uns para com os outros» (Gv 13,35). Neste sentido é também um «mandamento antigo» porque se coloca nas origens da comunidade dos discípulos de Jesus e faz parte desde o início da sua “bagagem” de identidade, daquilo que a constitue, do seu trato distintivo («…que recebestes desde o princípio»).

«Novo» e «antigo» são dois termos que parece difícil manter juntos por ser uma mesma realidade: o seu caráter contraposto, realmente (se uma coisa è nova não pode ser ao mesmo tempo antiga, e vice-versa). No entanto para o «mandamento novo» de Jesus, o mandamento evangélico por excelência, este (antigo-novo), porque è sìm uma realidade antiga, uma palavra ouvida «desde o princípio» (1Gv 1,1; 3,11) e preparada desde os primordios da história do povo de Israel (cf. Lv 19,18), mas è ao mesmo tempo também uma palavra nova porque exprime e revela toda a novidade de Jesus, o tempo novo inaugurado com a sua vinda e o mondo novo que com Ele iniciou a tomar forma. Se o mandamento do amor fraterno já era conhecido no Antigo Testamento, é porém só com Jesus, com a sua vinda, que ela adquire uma profondidade, uma amplidão e uma intensidade até então imaginável. E a maior novidade é «como eu vos amei» (Gv 13,34) que Jesus acrescenta ao convite de amar-nos reciprocamente.

O mandamento è «novo», então, porque novo é o amor com o qual podemos viver-lo, porque è o amor próprio de Jesus que nós acolhemos e que por nossa vez doamos para os irmãos. A novidade é que agora nós nos tornamos capazes de amar “como Ele”, porque è Ele mesmo que ama em nós, se nós lhe permitirmos ficar em nossos corações e deixarmos que o seu Espírito encontre habitualmente casa em nós (cf. 1Gv 3,24: «Nisto conhecemos que ele permanece em nós: pelo Espírito que nos é dado»).
No novo dia
Tudo isto se torna possível desde o momento que «já aparece a luz verdadeira» (v. 8b). Nós podemos viver, podemos caminhar, podemos amar em plenitude, porque já estamos no dia luminoso inaugurado por Jesus, já estamos na sua luz e portanto todo o nosso agir pode assumir uma nova conotação. Como sem a luz não è possível alguma forma de vida e todas as coisas permanece na obscuridade e no anonimato (as suas formas, as suas cores, os seus movimentos não podem manifestar-si), assim sem aquela luz que vem de Deus – ou melhor, que è o próprio Deus (cf. 1,5!) – não è possível caminhar com Ele, comportar-se como Ele (cf. 2,6).

E é próprio o amor, aquele que vem d’Ele, aquele que é infuso nos nossos corações por meio do seu Espírito, o critério e a medida para perceber se efetivamente estamos caminhando a luz do dia, do Seu dia: «Quem diz que estar na luz…» (2,9). Amor e luz, ódio e trevas, estão sempre juntas, são quase sinônimos: o amor abre os olhos e ilumina a vida; o ódio ao contrário torna cegos e faz descer sobre tudo uma coberta de trevas, quase prelúdio de uma morte certa. Alguém fala aqui de «Clarividência do amor» (B. Maggioni), porque o amor não è só uma dimensão do nosso agir, do nosso comportamento, alguma coisa que resguarda somente, por assim dizer, a esfera moral da nossa vida, mas é também – e talvez a primeira âncora – isto que permite de conhecer, de ver, de colher os significados profundos das coisas. Neste sentido, o amor é uma forma de conhecimento, ou seja, é a forma de conhecimento mais alta porque consente de conhecer ao próprio modo de Deus, consente de conhecer compreendendo cada coisa na sua verdade, aquela verdade que emerge em toda a sua clareza só quando é aproximada por um olhar humilde e acolhedor, que não julga e não fere, mas encoraja e faz crescer…

Se «Deus é luz» (1,5), se Jesus é a «luz verdadeira» (Gv 1,9) vinda ao mondo para iluminar cada homem, é só o amor – o Seu amor antes de tudo, que se torna presente no nosso – que confirma e torna manifesta esta verdade. Quando amo o irmão, quando acolho todos os acontecimentos da vida com aquela íntima disposição do coração que busca ver o bem em toda parte, eis que tudo aparece mais luminoso, eis que aquela luz que já está presente neste mondo se torna mais clara, mais intensa e resplendente. É talvez por isto que se diz que “o amor transfigura todas as coisas”, no sentido que faz aflorar aquela luz que cada realidade já tem em si e que se liberta somente quando é tocada por uma força boa capaz de exaltar todas as potencialidades positivas que existem nela.

O mundo sem esta luz mostra-se sem vida, imerso nas trevas da ignorância, do pecado, da morte. Por isto o autor da carta exorta com força a não amar «o mundo, nem as coisas do mundo» (2,15a). O mundo para “não amar” é aqui, esse mundo que se opõe a Deus, que não quer deixar-se iluminar pela sua luz e que pretende colocar-se no centro da vida dos homens, quase como um ídolo para ser adorado no lugar do verdadeiro Deus. Quem ama o mundo (no sentido apenas dito), quem se deixa seduzir pelas suas lógicas de morte, de mentira, de prostituições, é sinal que o amor do Pai (se entende no dúplice sentido do amor que provém de Deus e do amor que nós devemos para com Ele) não encontrou ainda morada nele.
O mundo passa com a sua concupiscência
E para esclarecer melhor que coisa levam para longe de Deus, quais são aquelas tendências ruins que impedem ao amor do Pai de vir morar em nós, eis que João as exemplifica em três inclinações ou paixões negativas nas quais se encerram tudo o que está realmente em contraste com a lógica do amor divino: «a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida» (2,16). Sem entrar em minuciosos detalhes, podemos dizer que as primeiras duas expressões indicam sobretudo a tendência desordenada para qualquer coisa que se deseja, a busca apaixonada e desmedida de qualquer coisa Que não é Deus, mas que quer tomar-Lhe o lugar. A terceira expressão, ao contrário, sublinha o orgulho pelo que se possui (esta última expressão de fato poderia ser também traduzida com «a arrogância da riqueza») e a falsa segurança de uma vida satisfeita, cheia mais de bens do que de verdadeiras riquezas da alma (uma ilustração eficaz deste acontecimento podemos encontrar na parábola do rico louco contada em Lc 12,15-21).

«E o mundo passa com a sua concupiscência…» (2,17). Além de ser enganador e nocivo, este modo de “amar o mundo” é também passageiro, sem consistência, absolutamente falso, porque o mundo «passa (é passageiro)». enquanto quem se deixa conduzir pela vontade de Deus, quem procura fazer todas as coisas à luz do seu amor, quem procura caminhar «como Cristo caminhou» (2,6), «permanece» por toda a eternidade, a sua vida adquire solidez, durabilidade e estabilidade. Como as trevas «passam/se desfazem (é passageira)» (v. 8b) ao chegar a luz, assim quem se obstina a caminhar nas trevas não pode esperar “permanecer”, eternamente, porque não está em comunhão com a luz, é só a realidade que “permanece” enquanto sinal e revelação do próprio rosto de Deus (cf 1,5). Como nos narra o livro do Apocalipse, no fim dos tempos «não existe mais noite» (Ap 21,15; 22,5), nem trevas alguma, porque a luz do Senhor invadirá tudo e brilhará para sempre.

Para concluir, podemos ouvir outra vez aqueles versículos colocados quase no centro do nosso trecho e que constituem uma espécie de intermédio no qual o autor da carta se volta diretamente aos seus destinatários dirigindo-lhes a palavra como «filhinhos» «pais» jovens» (vv. 12-14). Dirigindo-se aos seus leitores com estes diversos nominativos, João parece mesmo dirigir-se a todos, aos membros de todas as gerações, a toda categoria de pessoas, a todo grupo presente na comunidade destinatária da carta (alguns viram aqui três distinções não só de idade mas também de maturidade espiritual, outros leram três qualidades presentes em cada um: como a dizer que cada um pode sentir-se interpelado e chamado diretamente para a causa…). «Filhinhos» «pais» «jovens»: cada um possui um dom, um grande dom para cuidar zelosamente e para valorizar plenamente, um dom para reconhecer com infinita gratidão e para não se deixar de nenhum modo que se perca pelo caminho.

O perdão dos pecados, o conhecimento de Deus como Pai e a vitória sobre o Maligno, são realmente três grandes dons que todo cristão já possui pela força do «nome» de Jesus (cf. v. 12), isto é, pela sua obra, pela sua vida e pela sua morte oferecidas por nós. Podemos ler estes três dons – ou realidade dos quais o cristão já faz experiência – come coligados e concatenados um com o outro: o verdadeiro rosto de Deus como Pai, de fato, se descobre primeiramente através da experiência do perdão (cf. Lc 15!) e, uma vez conhecido o Pai e tendo acolhido a sua palavra no profundo do coração, se pode afrontar a luta contra o Maligno seguros da vitória. Retorna aqui, neste versículo 14, aquele verbo tão característico de João já aparecido no v. 10 e que aparecerá ainda no v. 17: «permanecer». «Sois fortes e a palavra de Deus permanece em vós».

“Permanecer em” é expressão que diz a ligação duradoura de uma comunhão, a estabilidade em uma relação, o permanecer de uma realidade em outra. Se a palavra de Deus permanece em nós, mora em nós, é o próprio Deus que fez morada em nós e em nós estabeleceu a sua casa. Se não somos nós a expulsara-lo, ele permanecerá, nos guardará e nos protegerá de todo mal, porque a sua palavra é poderosa, viva e eficaz (cf Eb 4,12), e nada e ninguém pode resistir diante dela. Guardemos, portanto, esta palavra no coração, deixemos que cresça e dê os seus maravilhosos frutos, e conheceremos os abismos do amor de Deus, a beleza do seu rosto de Pai e o esplendor daquele mundo novo, transfigurado pela luz que apareceu com a vinda do seu Filho…

 Para continuar a reflexão
João não separa nunca o amor por Deus do amor pelos irmãos. O «mandamento novo», sobre o qual retorna muitas vezes nos seus escritos, diz toda a profundidade de um amor que muito olha para o “alto” (o Pai), mas se sente impelido a dirigir-se para o “baixo” (os irmãos). Acreditamos que o amor – este amor tão concreto, tão útil e quotidiano, tão atento a todos aqueles que preenchem os nossos dias – seja a única verdadeira novidade da nossa vida e que a sua luz seja suficiente para iluminar o nosso caminho e a levarem ao cumprimento todos os nossos desejos?

  A nossa vida neste mundo é constantemente assinalada por uma luta que assume os traços de um dúplice amor, uma dúplice paixão: pelas coisas do mundo e pelas realidades do Céu. «O amor do Pai», como temos visto, é incomparável com «O amor do mundo» (v. 15). Se somos filhos de Deus, existe um só amor que se nos destinam enquanto filhos: como deixá-lo crescerem em nós, como deixarmos encher o coração assim a ponto de não conceder muito espaço a isto que João chama «a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida»?

  Como filhas amadas, como discípulas do Senhor, como destinatárias de uma palavra que é luz sobre o nosso caminho, temos recebido o maior dom que nos podia ser dado: a comunhão com Deus, a participação na sua própria vida; uma comunhão que nos leva a plenitude da alegria (cf. 1,3-4). Como cuidar deste dom? Como viver tendo cuidado para não dissipar este tesouro, para não desperdiçar toda a graça recebida, para não apagar aquela luz que Deus já acendeu em nós? Porque – pensemos bem-este é o único e só contributo que nos é pedido…

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