O amor recíproco
Os versículos de
4,11 a 5,4 da primeira carta de João constituem a sesta dos sete pericopi na qual a carta pode ser sub dividida. Se
trata na realidade da segunda parte de uma pericope mais extensa, que parte do versículo
3,23 e é estreitamente conexa ao texto que agora tomamos em consideração. Também
para este trecho pode ser útil um esquema que pode escandir um tríplice desenvolvimento
do texto: a um anúncio (4,11) fazem seguido de um momento de exortação para
viver o que o anúncio propõe (4,21) e os critérios de discernimento afim de que
o anúncio possa ser concretamente vivido, os quais ocupam os restantes versículos.
«Caríssimos, se
Deus nos ama, também nós devemos amarmos uns aos outros» (4,11). Se trata de um
tema muito caro para o autor da primeira carta de João: a recíproca interdependência
entre o amor de Deus e o amor pelos irmãos. Notemos que, assim como em diversos
outros passos da carta no qual é chamado à exigência do amor recíproco (1Gv
1,6-7; 2,5; 3,11; 3,23; 4,7, como também em Jo 3,14), também aqui a comunhão com
Deus e com os irmãos não tem um sujeito nem como seu ponto de partida nem com seu
ponto de chegada. A atitude que é recomendado em resposta ao amor de Deus por nós
– amor que sempre nos precede – não é convite para amar por nossa vez a Deus, e
nem simplesmente para amar o próximo. Isto significa que o coração pulsante de ágape
(termine como o qual o Novo Testamento indica o amor desinteressado e oblativo)
não é o amor de qualquer um para outros qualquer. Este sentido é certamente
contido na ideia de ágape, mas não é este que deve ser levado à perfeição. Realmente,
como faz notar Bruno Maggioni, na carta se fala muito de amor de Deus e de amor
fraterno, sòmente em 4,21 e em 5,2 se fala do nosso amor para com Deus. Se diria
que João receie aquele tipo de vida religiosa que se dirige diretamente a Deus
sem passar através do concreto da praxe quotidiana .
«Se nos amamos
uns aos outros, Deus permanece em nós e o amor dele é perfeito em nós» (4,12) e
ainda mais adiante: «Nisto o amor alcança entre nós a sua perfeição: e temos
plena confiança no dia do julgamento, porque tal como Jesus é, assim somos também
nós, neste mundo» (4,17). A perfeição do amor é certamente possível, ou melhor,
é a meta a qual tende toda a vida do discípulo, como nos recorda também São
Mateus («vós, portanto, sejam perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste»:
Mt 5,48), mas ela não consiste em levar a perfeição a capacidade de amar como qualquer
um: isto de fato seria ainda fruto de um esforço pessoal. Perfeita deve ser ao
contrário, a reciprocidade no amor, uma reciprocidade não fechada em se mesma,
mas capaz de expandir-se sempre mais além, envolvendo no seu circulo de amor
sempre novos irmãos e irmãs. A este propósito, estão iluminando as palavras de
um autor do século XII, Riccardo di San Vittore, que no seu tratado sobre a
Trindade escreve:
Pois bem, na
caridade autêntica o Máximo da excelência lembra que seja isto: querer que um outro
seja amado como o somos nós mesmos. Com efeito, no amor recíproco e ardente nada
é mais precioso nem mais admirável do que o desejo que um outro seja amado do mesmo
modo daquele que sumamente se ama e daquele que se é sumamente amado. Portanto
a prova da caridade perfeita consiste no desejar que o amor do qual se é objeto
seja participado.
Isto significa que
é fundamental antes de tudo preocupar-se de ter feito todo o possível para que o
próprio irmão possa crescer no amor. Muito ao contrário, se é excessivamente
preocupados pelas próprias disposições pessoais do que pela benevolência para
com o outro. Se sente, por exemplo, sugerir muito como princípio espiritual a máxima
segundo o qual cada um deveria preocupar-se unicamente pela própria conversão
pessoal, sem julgar os outros. Parece na realidade que o texto de 1Jo se leva para
mais além: se é chamados de fato a preocupar-se pelo estado do próprio irmão não
para libertar-se de um sentimento de culpa, ou para sentir-se justificados, para
ter todas as contas saldadas, ou pior ainda, pela presunção de saber onde é bem
que o outro se escorrega. A única razão que me pode levar a preocupar-me pelo outro
é a consciência que o meu crescimento no amor e o do irmão dependem um do outro,
ou melhor, um não si dá sem o outro. A ideia de perfeição apresentada no nosso
texto não coincide por isso com uma pretensão de ser sem mancha, sem imperfeição,
limites ou incriminações, e nem mesmo sem caídas. O amor verdadeiro, perfeito, corre
sempre risco, comprometimento; se acolhermos o desafio de amar, antes ou depois
o mínimo que nos possa entender é de sujarmos as mãos, se não até de feri-las. Então
a perfeição não será nada mais nada menos do que a confiança de estender aquelas
mãos sujas, feridas, e esperar com paciência e fidelidade que seja o próprio
Jesus a lava-las e a curá-las através das suas próprias feridas: «pelas suas chagas
nós somos curados» (1Pt 2,24).
«Ninguém jamais
viu a Deus»: significa que não si pode pretender ver Deus por conta própria! A busca
de Deus quanto mais é íntima, personalíssima, as vezes quase indizível, e muito
mais deve ter um respiro eclesial. Só graças à profundidade do olhar de um irmão,
de uma irmã, da própria comunidade «se conhece que nós permanecemos nele e ele em
nós» (4,13). Este “permanecer em Deus” é descrito por João como real participação
na própria vida de Deus Trindade, porque ela tem como seu término de no fato que
«ele nos deu o seu Espírito» (4,13). O Espírito Santo, dom do Pai e do Filho, é
portanto dado afim de que a própria íntima relação que lega as Pessoas da Trindade
possa ser o princípio da nossa relação pessoal com Deus e da comunhão com os irmãos.
Sem dúvida é a preciosa expressão «Deus é amor» (4,16), única pela sua gravidez
em toda a Sagrada Escritura, para constituir o vértice da meditação sobre Deus ágape.
Assim Bruno Maggioni comenta: com esta frase João não faz mais do que reassumir
o quanto a história da salvação continuamente testemunha: Deus escolhe, perdoa,
permanece fiel ao seu povo apesar das traições, e em Jesus Cristo se manifesta
como amor que se doa e se deixa crucificar. A preciosa afirmação de João deve
ser lida com toda esta densidade.
A participação na
vida trinitária impede também de cair no risco de uma lógica “funcionalista”, a
qual poderia conduzir a uma leitura não advertida do texto: tal lógica exigiria
o amor pelo irmão como passagem obrigatória para alcançar o amor por Deus, come
se fosse uma espécie de preço à pagar, necessário, mas de qualquer modo transitório,
e uma vez alcançada a meta da comunhão com Deus, o relacionamento com o irmão não
nos interessam mais. João afirma ao contrário com clareza que os dois polos,
amor de Deus e amor pelo irmão, estão ou caem juntos: amadurecer no amor não significa
utilizar um dos dois para conquistar o outro, mas acolhê-los ambos – e juntos –
como dons gratuitos. Exemplificando, parece poder dizer então que é necessário passar
de uma lógica funcionalista a uma lógica circular e de participação.
A bem ver, a própria
estrutura do texto reproduz no estilo esta “circularidade em expansão”: o autor
não teme repetir muitas vezes, mesmo em brevíssimas distância, os mesmos conceitos
ou reformulá-los com palavras semelhantes. Já dentro dos poucos versículos da
nossa pericope é possível localizar esta rede
de contínuas notas e chamadas. No v. 4,12 se diz que «se nos amamos uns aos outros,
Deus permanece em nós e o amor dele é perfeito em nós», logo reforçado no v.
4,15: «quem confessa que Jesus é o filho de Deus, Deus permanece nele e ele em
Deus» e no v. 4,16: «Quem permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece
n’Ele». A exortação ao amor recíproco, expressa em forma mais concisa nos v.
4,11 e 4,12, é especificada e ampliada nos v. 4,20 e 4,21, lá onde se mostra a
contradição de quem diz amar a Deus que não vê, mas nutrindo sentimentos de ódio
para o próprio irmão que vê. A mesma ideia em forma reversa é apresentada pouco
mais adiante no v. 5,2: «nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando
amamos a Deus e observamos os seus mandamentos». Por último, a confissão de Jesus
como Filho de Deus, condição para que Deus permaneça em nós (v.15), retorna no
início do capítulo 5, onde vem integrado com o tema da geração de Deus: «quem
crer que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus». Enfim a «confiança no dia do juízo»
(v. 4,17) constitui o caminho de acesso para aquela «fé que venceu o mundo» (v.
5,4) que sela a nossa testa. Se trata realmente daquele acontecimento que deveria
fazer do fundo de toda a vida do cristão: o de uma confiança (parresìa) capaz de
expulsar todas as vezes os temores que nos paralisam, de distanciar e
relativizar os nossos medos, os nossos bloqueios, para que nos torne
intimamente persuasivas, para usar as palavras de João da Cruz, que “no final
da vida seremos julgados unicamente pelo amor”.
Para continuar a riflexão
✓
Quais são as dificuldades concretas que encontro no caminho de acolhimento daqueles
irmãos/irmãs com os quais sinto mais dificuldade em relacionar-me?
✓
Quais os acontecimentos na minha vida de discípulo do Senhor que dizem o meu
desejo de crescer no amor para Dio e para os irmãos? Quais os acontecimentos que
contradizem este desejo?
✓
Quais os temores, medos, rigidez que têm o poder de cansar o meu caminho de seguimento?
Consigo entregar-lhe com simplicidade e confiança a Aquele que pode cuidar de
mim?
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