Uma alegre notícia
O que existe no coração do
Evangelho? O que é verdadeiramente notícia alegre para nós? No seu relato, o evangelista
João traz esta palavra de Jesus aos discípulos, pronunciada na intimidade da
última ceia: «Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos
tenho amado» (Jo 15,12). O reconhecer ser amados incondicionalmente e
gratuitamente pelo Senhor Jesus aparece ao amor recíproco e este se torna o espaço
concreto no qual se verifica e si testemunha o próprio amor de Cristo. Esta
troca de amor não é só uma experiência que somos chamados a fazer para viver
como discípulos de Cristo. É um “mandamento” que o próprio Senhor dá como exigência
fundamental da aliança, como empenho quotidiano de resposta à vontade de Deus.
E é isto que permite aquela fidelidade quotidiana necessária para guardar em si
o amor de Deus. Viver e guardar o mandamento do amor significa permanecer no amor
de Cristo e através dele, abrir-se para o amor do Pai. Então João o recorda com
estas palavras de Jesus: «Como o Pai me amou, também eu vos tenho amado. permanecei
no meu amor. Se observares os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como
eu tenho observado os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. Vos digo
estas coisas para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena»
(Jo 15,9-11). Aquele mandamento que Jesus dá ao discípulo, o amor recíproco como
reflexo do amor trinitário, é o que conserva a vida do fiel, a enraíza na própria
vida de Deus e comunica a alegria. É verdadeiramente o coração do evangelho.
João retoma tudo
isto no capítulo 3 da sua primeira carta: «Este é o seu mandamento: que creiamos
no nome do seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, segundo o preceito
que nos deu. Quem observa os seu mandamentos permanece em Deus e Deus n’ele.
Nisto conhecemos que ele permanece em nós: pelo Espírito que nos tem dado» (1Jo
3,23-24). As duas dimensões da “regra” do cristão, o conteúdo do mandamento (o
preceito que o Senhor nos deu), se revelam como aspectos inseparáveis, um do outro,
um se firma no outro, um complementa no outro: a dimensão vertical que se exprime
e si atua na fé em Cristo e a dimensão horizontal, que se vive nos relacionamentos
de amor recíproco na comunidade dos irmãos. O crer e o amar se compenetram e se
tornam o ato fundamental com o qual o fiel testemunha Cristo.
Crer no nome de Jesus
Mas o que
significa crer? O que significa amar? Crer não é somente adesão da inteligência
a uma verdade revelada. João fala de «crer no nome do Filho», no nome de Jesus Cristo.
Crer é entrar em comunhão profunda, numa confiança e num abandono total com Aquele
que nos revela o próprio mistério de Deus, o seu amor por nós, o seu nome de Pai.
Crer é entrar em relação com um “nome” que contém em si todas as promessas de Deus,
com um olhar que nos manifesta o mundo de Deus. esta fé nos abre o conhecimento
de Deus, um conhecimento que nos revela o nome oculto de Deus. Assim o exprime João:
«Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus em nós: Deus mandou ao mundo o
seu Filho unigênito, parque nós tivéssemos a vida por meio dele. Nisto está o amor:
não fomos nós que amamos Deus, mas ele que nos amou e mandou o seu Filho como
vítima de expiação pelos nossos pecados» (1Jo 4,8-10). O nome de Deus é misericórdia,
é ágape. Estamos como colocados diante da infinita luz que emana do rosto de Deus
e que investe toda realidade criada, o mundo e cada um de nós. O esplendor do
ágape nos revela quem é Deus. Mas não é uma luz inacessível, que diante da qual
se permanece como mudos espectadores, incapazes até de pousar o olhar sobre este
esplendor. Deus é amor porque «mandou ao mundo o seu Filho unigênito», «parque
nós tivéssemos a vida por meio dele… como vítima de expiação pelos nossos pecados».
O esplendor do amor de Deus nos envolve, nos atrai porque nos é revelado através
do Filho, aquele que assumiu a nossa própria carne e ofertou esta carne pela salvação
do mundo. Um dia Jesus disse a Nicodemos estas palavras: «Deus amou de tal
forma o mundo que deu o ser Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer
não morra, mas tenha a vida eterna» (Jo 3,16). Deus é amor porque contém e cuida
na sua infinita misericórdia de todo o mundo, e cada um de nós e isto para doarmos
a vida e arrancarmos de toda forma de morte.
Acolher este
amor em nós e transforma-lo em vida é crer no nome de Jesus. Mas isto nos revela
também o que significa amar. Para o discípulo de Cristo amar não é antes de tudo
um movimento horizontal que me abre para o alto, um ato de vontade benévola com
o qual acolho o outro. Certamente o outro, o irmão é o ponto de chegada, o espaço
no qual se realiza e toma forma o amor. João o recorda quando diz: «Caríssimos,
amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus: e quem ama nasceu de Deus
e conhece a Deus. Quem não ama, não conhece a Deus» (1Jo 7,8). Mas João nos torna
consciente que o amor, enquanto o próprio nome de Deus, pode ter só nele a
fonte e a origem. Então para o discípulo amar é antes de tudo reconhecer esta
origem e tomar consciência que é possível amar Deus e os irmãos só no momento no
qual se descobre o amor que o próprio Pai em Jesus se dirige para cada um de nós.
Não somos os protagonistas do ágape, mas só os beneficiários e os testemunhas:
«Nisto está o amor: não somos nós que amamos a Deus, mas é ele que nos ama» (1Jo
4,10). O amor de Deus nos precede sempre, protege o nosso amor: ele é uma pobre
resposta a esta infinita caridade que desce sobre nós.
O Espírito de Deus
Para permanecer
radicados na vida do discípulo, a fé e o amor necessitam de um terreno estável e
fecundo. E este é dado pelo Espírito de Deus: «Quem observa os seus mandamentos
permanece em Deus e Deus nele. Nisto conhecemos que ele permanece em nós: pelo Espírito
que nos é dado» (1Jo 3,24). A fé e o amor adquirem uma dimensão interior graças
ao dom do Espírito que é a garantia, o sigilo da comunhão com Deus. Só quem se deixa
penetrar pelo Espírito de Deus pode adquirir um olhar que vai além das aparências
e além das ambiguidades da história. João nos coloca em vigilância sobre aquele
que tenta apoderar-se da história, dos acontecimentos, do mundo e sobretudo do coração
do homem para semear maldade e engano. Para João esta realidade que age de modo
enganador na história tem um nome: «Este é o espírito do anticristo que, como ouvistes
dizer, ele vem, mas ele já está no mundo» (1Jo 4,3). Dar a este espírito de engano
o nome de “anticristo” significa tomar cuidado da radical ambiguidade com o
qual ele age: não só se contrapõe a Cristo, mas assume como máscara o rosto de
Cristo. Este é o engano mais perigoso porque utiliza o nome de Jesus para transmitir
falsidade: tem falsos profetas que falam em seu nome e transmite um “espírito”
de mentira que segue a lógica idolátrica do mundo. O seu fascínio é tão sutil a
ponto de não permitir sempre um pronto discernimento. Isto é possível só mediante
o Espírito de Deus porque só o Espírito desmascara o engano contido no anúncio
do anticristo: e isto é esvaziar o próprio mistério da encarnação do Filho, a
revelação de um Deus que toma a nossa carne para compartilhar em tudo a nossa humanidade
e doarmos a vida de Deus: «Nisto podes reconhecer o Espírito de Deus: todo espírito
que reconhece Jesus Cristo vindo na carne, é de Deus; todo espírito que não reconhece
Jesus, não é de Deus» (1Jo 4,2-3). A humanidade de Deus é o grande escândalo que
deve ser removido. Mas se Deus é sem o rosto humano, se Deus não se imerge nas viradas
da história, então a fé se torna ideologia e gnose, um modo de pensar ou viver
e não o encontro e a comunhão com a qual Deus tanto amou o mundo a ponto de dar
o seu Filho. É uma tentação que atravessa toda a história do cristianismo e pode
atacar e comprometer radicalmente a identidade do cristão. O verdadeiro lugar em
jogo é a profissão de fé em Jesus Cristo vindo na carne. Esta fé, que é a base
da regra do cristão, não só nos abre para a própria vida de Deus, mas se
verifica e se atua no amor recíproco, gratuito e solidário. A carne de Cristo,
a sua divina-humanidade, são a garantia do crer e do amar.
Para continuar a reflexão
✓
Como discernir hoje, a partir dos nossos estilos de vida ou de certas lógicas através
dos quais julgamos, o engano do “espírito do anticristo”? Quando se opera uma mundanização
na vida do discípulo de Cristo e quando o evangelho se transforma em simples
ideologia?
✓ O que significa “crer no nome de Jesus” e como as escolhas
quotidianas podem testemunhar esta fé?
✓ Existe um real conhecimento do amor de Deus que nos precede
e que funda os nossos relacionamentos fraternos? Na tentativa de amar um irmão ou
uma irmã temos consciência que não somos nós os protagonistas do amor?
Nenhum comentário:
Postar um comentário