Da fé em Deus l’amore fraterno
O fundamento da
nossa vida cristã consiste no dom que Jesus deu a sua vida por nós (cf. 1Jo
3,16). É o dom do Filho que confirma a eterna aliança entre Deus e os homens; uma
aliança que para ser respeitada exige que os próprios homens por sua vez se doem
a vida reciprocamente: nisto demostram serem irmãos e filhos de Deus.
João insiste sobre
a íntima ligação que existe entre a nossa condição de filhos de Deus e a retidão
da nossa vida moral, ou seja, a fidelidade ao dúplice mandamento da fé em Jesus
e do amor fraterno. É da fé no poder do dom de Deus em Jesus Cristo que deriva a
ação ética e não vice-versa. Se é verdade que a observância dos mandamentos
permite permanecer em Deus, é ainda mais verdade e profundo que o que poderia resultar
da obra humana é na realidade só o fruto do dom de Deus.
O critério para
compreender se vivemos realmente como filhos de Deus, é a caridade fraterna fativa.
Questa é a mensagem (1Jo 3,11) que os destinatários da carta ouviram “desde o princípio”
e é a palavra que constitui a comunhão eclesial (1Jo 1,3). A alternativa à caridade
é um outro princípio, o de Caim, que faz prosseguir a história humana em suceder-se
de atos de violência e que, para quem se professa cristão, expulsa realmente da
comunhão eclesial. As obras manifestam a verdadeira fé e a fidelidade de cada um,
o ser de Deus ou do Diabo.
Siguamos agora,
passo a passo, versículo por versículo, o pensamento de João.
Comentário
v.12 «Não com
Caim, que era do Maligno e matou seu irmão»: o mandamento do amor recíproco é
ilustrado por contraste através de um exemplo de ódio fratricida parte da Bíblia,
Caim contra Abel. Na tradição bíblica Caim é o tipo de quem não crê, de quem se
rebela contra Deus e de quem é avarento; aqui se faz o tipo de quem odeia. João
exprime um juízo moral sobre os atos de Caim e sobre os de Abel o justo, que na
epístola vem significativamente indicato só com la expressão “seu irmão”. Quem se
deixa inspirar pelo Maligno é por sua vez homicida como Caim e espalha ódio
dentro da comunidade cristã. O injusto se revela na inveja e no ciúme, acontecimentos
mundanos que penetram muito nas comunidades cristãs e as deformam.
v.13 «Não vos
admireis, irmãos, se o mundo vos odeia»: o mundo não somente “não conhece” os
filhos de Deus, mas os odeia. Assim como Caim odiou
Abel o justo, o mundo odeia os justos e os persegue (cfr. Mt 5,10-12). «Saibam que
antes de vós [o mundo] odiou a mim» (Jo 15,18), Jesus advertiu os seus
discípulos no seu longo discurso de despedida.
v.14a «Nós sabemos
que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos»: o autor liga a
passagem da morte para a vida com o amor fraterno, que realmente é, prova e
confirma: o amor pelos irmãos não é a causa, mas é o sinal que se possui a vida
divina. Ao contrário, é come Caim, «quem não ama permanece na morte» (1Jo
3,14b). Esta passagem da morte do pecado para a vida divina é acontecido no
passado através da iniciação cristã e no presente continua com os seus efeitos.
Nesta breve afirmação da epístola ressoam as palavras de Jesus citadas no
quarto evangelho: «Quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem
a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida» (Jo
5,24).
«Porque amamos os
irmãos»: o exercício da caridade fraterna é o sinal de riconhecimento que alguém
é nascido de Deus (cfr. 1Jo 3,10; 4,7). Santo Agostinho sintetiza de modo
luminoso: «Ninguém sonde os outros: cada um examine-se a si mesmo: se encontrar
a caridade fraterna, esteja certo que já passou da morte para a vida». (Comentário
da epístola aos Parti,
5,10)
v.15 «Quem odeia
o próprio irmão é homicida»: quem odeia não somente provoca a morte do irmão,
mas é também causa da sua própria morte. Ele é suicida, porque destrói a vida
divina que leva em si.
v.16 «Nisto conhecemos
o amor, no fato que ele deu a sua vida por nós»: João procede ainda por contraste: o ódio homicida de
Caim contrapõe ao amor de Cristo que
oferece a sua vida por nós (cf. Jo 10,11.15.17.18). O gesto de Jesus que
leva ao cumprimento a sua missão de Filho no Dom de si por amor é a fonte e o
modelo do estilo de vida dos fiéis. O empenho ético se funda sobre estatuto originário
dos fiéis, crentes no amor de Cristo porque o fizeram experiência: «conhecemos o
amor». O amor “de Deus” que se derrama sobre quem observa a sua palavra (cf. 1Jo
2,5) e que se exprime tornando-nos seus filhos (cf. 1Jo 3,1), tem a sua fonte última
em Jesus Cristo: é mediante Jesus Cristo que vem a nós a graça de dar a nossa
vida pelos outros. O dom da nossa vida que fazemos aos irmãos participa da mesma
oferta eucarística de Jesus. Com a seguinte diferença: se a oferta de Jesus é uma
ação livre, para nós é ao contrário uma obrigação que prorrompe da nossa ligação
com Jesus. Por isto «também nós devemos dar a vida pelos irmãos» (1Jo 3,16).
“Também nós”: é
chamado o mandamento do amor fraterno formulado por Cristo: «amai-vos uns aos outros
como eu vos tenho amado» (cf. Jo 15,12). João o trae logo depois uma aplicação prática
no v.17. «Não precisa, de fato, ‘amar Deus’ e nem ‘amar Jesus’; precisa amar o
outro com o mesmo amor de Jesus. O lugar do homem é o lugar de Deus. […] Amar o
outro é amar Deus; atentar a vida do outro é atentar a Deus» (Y.Simoens).
A verdade da fé
deve ser passada pelo cadinho da ação. O autor da carta, tomando logo um exemplo
concreto de caridade fraterna (cf. 1Jo 3,17), exprime a realidade da fé, o que
a torna verdadeira. Por experiência, sabemos que é muito fácil amar os irmãos
de modo geral, enquanto é mais difícil amar o próprio irmão que está próximo de
nós … Mas é justamente isto que cada um deve está atento.
v.17 «como pode
o amor de Deus permanecer nele?»: se entendido como genitivo de qualidade, a expressão
“amor de Deus” equivale a amor divino; se entendido como genitivo subjetivo, se
trata de um amor que tem a sua fonte e o seu modelo em Deus, manifestado-se a nós
em Jesus Cristo seu Filho. Se falta a obra concreta de fraternidade cristã, então
o amor de Deus não pode permanecer em nós e também nós mesmos não podemos permanecer
em Deus.
v.18 «Filhinhos,
não amemos com palavras nem com a lingua, mas com os fatos e de verdade»: esta
exortação está em ampla polêmica com os mestres do erro, os gnósticos do herege
Cerinto, contra quem se lança a epístola. No sentido igualmente polêmico, se
pode ler Gc 2,15-16: «Se um irmão ou uma irmã estão sem roupas e desprovidos do
alimento quotidiano e alguns de vós diz a eles: ‘Vai em paz, aquecei-vos e saciai-vos’,
mas não dás a eles o necessário para o corpo, que adianta?». O amor que se
nutre só de palavras e de caráter abstrato e não se traduz em fatos, é pura hipocrisia,
e revela a esterilidade da nossa fé. Comenta s. Agostinho: «Se ainda não estai
pronto a morrer pelo irmão, etejas disposto a dar ao irmão um pouco dos teus
bens. A caridade comove o teu coração, de tal modo que te faz agir não com
vaidade mas com muita misericórdia; então a tua atenção se voltará sobre quem
se encontra em necessidade. Se de fato não dás o supérfluo ao irmão, como
poderás dar para ele a tua vida?» (Comentário da Primera carta de João, V,12).
«Na verdade»: na
linguagem de João a expressão se relaciona à Ideia da revelação transmitida por
Cristo e designa a ação que se inspira na verdade manifestada por ele. Verdade
não é tanto o nosso reto conhecimento de Deus, quanto a fidelidade e a estabilidade
do próprio Deus. Sobre esta verdade se funda a nossa fé e nesta verdade a nossa
fé nos torna participantes.
v. 19a «Desse
modo saberemos que estamos do lado da verdade e diante de Deus tranquilizaremos
o nosso coração»: com a expressão “nascidos da verdade” João tranquiliza os cristãos que cumprem o
mandamento do amor (“Desse modo” equivale a “no amor fraterno”) de viver em
comunhão com Deus. Pelo fato que nos comportamos retamente nos tomamos consciência
que «estamos do lado da verdade», verdade que é a mensagem de Cristo escutada:
«Quem é da verdade, escuta a minha voz» (cf. Jo 18,37).
v.20 «mesmo que
a nossa consciência nos reprove»: O único modo no qual os homens podem ter uma consciência
que não os condenem é observar os mandamentos de Deus, mas a nostra consciência
conhece também o pecado, a fraqueza ou as inadvertências… No caso se a nossa
consciência nos reprovar por qualquer pecado, não deixemo-nos perturbar, porque Deus, o qual conhece tudo, dá
um julgamento mais iluminado e justo do que aquele dado pela nossa consciência (coração).
ReaImente, somente diante de Deus podemos encontrar paz: estar diante d’ELE
purifica as intenções de tudo isto que nós chamamos “amore”.
v.20: «Deus é maior
do que a nossa consciência, e Ele conhece todas as coisas»: o fato de que Deus
conheça todas as coisas, também os desejos e os pensamentos do nosso coração
(cardiognose divina), não toma um controle totalitário de sua parte, mas um
senso de segurança para o homem para o reparo das reprovações do próprio
coração e de todos os modos da sua mau consciência. Não devemos ter medo por causa
disso: Deus é muito maior do que os nossos julgamentos mesquinhos. Na sua
liberalidade, Ele está sempre pronto a perdoar. «O cristão repreendido pela sua
consciência, não só confirma a se mesmo que Deus conhece também as suas ações de
amor, mas edifica a sua confiança também no mar da compreensão e da misericórdia
divina, benigna com todos» (R. Schnackenburg). Deus é maior porque é criador e juiz
de todas as coisas; é maior porque conhece todas as coisas, mais precisamente o
que faz o nosso coração; é maior porque
a nossa consciência, o nosso templo interior, é a sua imagem.
Mais uma vez,
comenta magnificamente s. Agostinho: «Tu és capaz de escondere o teu coração aos
homens, esconde-o a Deus, se podes. Como poderáis esconde-lo a Ele, a quem um certo pecador, temeroso,
confessou: ‘Onde encontrarei um rifúgio, longe do teu espírito, longe do teu rosto?’
Esta pessoa procurava um lugar para onde fugir e livrar-se do gulgamento de Deus,
mas não encontrava. Onde não está Deus? ‘Se subo até ao céu, lá tu estás; se desço
aos abismos, tu estás presente’ (Sl 138, 7-8). Para onde irei, para onde fugirei?
Se queres um conselho, quando quizeres fugir dele, fugi para ele. Fugi para perto
dele com confiança, e não se escondas do seu olhar: nada poderás fazer, enquanto
não abrires para ele com confiança o teu coração» (Comentário, cit., 6,3).
v.21 «Caríssimos,
se a nossa consciência não nos condena, sentimos confiança para nos dirigirmos
a Deus»: se o nosso coração não nos dá o tormento da mau consciência, fica espaço
só para a confiança, a parresía, isto é, o falar franco e sincero que exprime em
ser bem sucedido na comunicação entre Deus e o nosso coração. Se nutre esta atitude
nos relacionamentos com Deus quando se cultiva a oração, acompanhada no guardar
os mandamentos de Deus e de um modo de viver conforme à Sua vontade. Podemos
assim nos voltar para Ele com a forte convicção que Ele nos acolhe com amor e nos
considera sempre seus filhos. A “plena confiança” é por isso determinata pela
certeza do crente de ser atendido por Deus em Jesus Cristo: «Qualquer coisa que
pedires em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se me
pedires qualquer coisa no meu nome, eu o farei» (Jo 14,13-14; e cf. Jo 15,7; Jo
16,23-24.26).
v.22 «e qualquer
coisa que pedimos a recebemos dele, porque osbervamos os seus mandamentos e fazemos
aquilo que é do seu agrado»: A observância dos mandamentos demonstra o mútuo
amor e a recíproca aliança entre Cristo e os seus fiéis. A fé e a caridade são
inseparáveis, não porque a fé seja um ato dependente da atividade do homem, mas
porque ela entra também no mandamento: «que creiamos no nome do seu Filho Jesus
Cristo e nos amemos uns aos outros» (cf. 1 Jo 3,23).
Para continuar a riflexão
✓
Pela Primeira carta de João é importante ser “da verdade”. Se vem da verdade se
vive uma vida estando “da parte justa”. De onde provém os meus pensamentos, as
minhas palavras e os meus gestos?
✓
«A justiça é o primeiro caminho da caridade ou, como disse Paulo VI, é a ‘medida
mínima’ dela, parte integrante daquele amor com os fatos e na verdade (1Jo
3,18), a qual exorta o apóstolo João. De uma parte a caridade exige a justiça e
o reconhecimento e o respeito dos legítimos direitos dos indivíduos e dos povos.
Ela se aplica na costrução da ‘cidade do homem’, segundo direito e justiça. Também
a caridade supera a justizia e a completa na lógica do dom e do perdão. A ‘cidade
do homem’ não é aprovada só pelas relações de direitos e de deveres, mas ainda mais
e primeiramente da relações de gratuidade, de misericórdia e de comunhão. A caridade
sempre manifesta também nas relações humanas por amor de Deus, ela dá valor
teologal e salvifico a todo empenho de justiça no mundo» (Bento XVI, Caritas in
veritate, 6). Advirto uma tensão em mim e na minha comunidade entre exigência de
justiça e prática da caridade? As vivo interconnesse, ou oscilo entre uma suposta justiça
e uma caridade superficial? A minha ação caritativa é orientata a ter uma
incidência social, política, econômica trasformadora da ‘cidade do homem’?
✓
«A parrésia se tematiza como liberdade da palavra na oração, como confiança que
não admite dúvidas. […] A vontade de Deus aceita e cumprida forma também a oração,
tornando-se o objeto. […] Assim como a caridade tem como fruto o “conhecimento
de ser da verdade” (cfr. 1Jo 3,19), A obediência aos mandamentos tem como fruto
o atendimento da oração» (A.Scarano, in Y.Simoens). Vivo a minha oração como
diálogo livre e franco com Deus? Que espaço existe nela para a escuta acolhedora
da Sua vontade?
✓ A ágape exprime contemporaneamente o dom de si de Cristo a cada
pessoa debaixo do sol, a compaixão humana pelo próximo na indigência, o amor que
temos para com Deus e o amor que por primeiro Deus tem para conosco. Conheço todas
estas dimensões da caridade? João exorta a confiar sempre na bondade divina e a
ser perseverantes na observância dos mandamentos resunidos em um só: «Este é o
mandamento: que acreditemos no nome de seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos
outros… Quem observa os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele. E por isto
reconhecemos que ele pemanece em nós: pelo Espírito que nos é dado» (vv.
23-24). Este único mandamento tem duas faces: a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus,
e o amor recíproco. São as duas dimensões da regra dos cristãos: a dimensão
vertical, que se exprime e se atua na fé cristológica, e a dimensão horizontal,
que se vive nos relacionamentos de amor recíproco na comunidade dos irmãos. Estou
atenta a esta dúplice dimensão no meu modo de ser cristã ou sou desequilibrada
sobre uma mais do que a outra?
✓
Conhecer o amor recebido significa tomar consciência do amor que nos é dado. Recordar
quer dizer “levar ao coração”. Se o coração recorda este amor, se tranquiliza. Portanto,
conhecer e reconhecer o amor recebido nos traz antes de tudo paz ao coração e
capacidade de amar. Sem conhecimento do amor não podemos amar: seria só um dever
moral. Quanta parte tem nas minhas escolhas e no meu comportamento o desejo de
corresponder ao amor recebido?
✓ “Sim, Eu sinto, mesmo se tivesse
na consciência todos os pecados que se podem cometer, andarei, com o coração despedaçado
pelo arrependimento, a lançar-me-ei entre os braços de Jesus, porque sei quanto
ele ama os filhos pródigos que retorna para Ele. Não é porque o bom Deus, na
sua misericórdia preveniente, preservou a minha alma do pecado mortal, que eu me
levanto e vou a Ele com confiança e amor”. (s. Teresa do Menino Jesus) Recordo a
ação misericordiosa preveniente de Deus na minha história? Sei contar e testemunhar
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