Viver a pobreza
em Fraternidade
Frei Miguel
Negreiros
1.
Disse
Jesus: "Quem escuta as minhas palavras e as põe em prática é como o homem
prudente que edifica a sua casa sobre a rocha... Quem ouve as minhas palavras e
não as põe em prática é semelhante ao homem néscio que edifica a sua casa sobre
a areia" (Mt 7,24-27).
2.
Aquele que ouve o convite do Senhor "vem
e segue-Me" e, na verdade, deixa tudo e todos para seguir os passos de
Jesus, esse edifica a casa do seu voto de pobreza, sobre a rocha!
3.
Aquele,
porém, que ouve o convite do Senhor: "vem", e vai, mas sem partir da
sua terra, ou seja, sem abandonar tudo quanto o envolve - família, parentela,
amizades, posição social, a casa paterna e toda aquela teia das suas relações
de cidadão deste mundo, etc., esse edifica a sua pobreza sobre a areia!
4.
Convite
do Senhor: "vem e segue-me", mas não se resolve decididamente a
renunciar a si mesmo: aos seus critérios, aos seus pontos de vista, à sua
mentalidade, às suas inclinações naturais, ao seu amor próprio e à idolatria do
seu eu, esse edifica a casa da pobreza sobre a areia.
5.
Aquele,
porém, que edifica a pobreza sobre o seguimento da pessoa adorável de Jesus que
ele conhece, ama, e a quem se entrega apaixonadamente de alma e coração, esse resiste
a todas as intempéries. Cai a chuva. Engrossam os rios dos bens supérfluos que
nos alagam com a sua abundância. Sopram os ventos de todas as vaidades e de
todas as modas, e de tudo quanto reluz e encanta os sentidos. Mas a casa da
pobreza não cai porque está fundada sobre a rocha.
6.
Viver
a pobreza em fraternidade é, antes de mais, seguir a doutrina e exemplo de
Nosso Senhor Jesus Cristo, que diz: "Se queres ser perfeito, vai e vende quanto
tens e dá o seu preço aos pobres, e terás um tesouro no Céu, e vem e
segue-me". (Mt 19,2 1; 1 Reg. 1,2).
·
Continuando
a comparar a nossa pobreza à casa que devemos construir e onde queremos viver,
podemos atender a cinco aspectos fundamentais da mesma casa - A planta, a cor,
as janelas, as portas e o telhado:
·
Se
a vemos de longe, é a configuração do telhado que primeiramente nos é dada observar.
·
Se
a vemos de perto, o que mais imediatamente nos fere a sensibilidade é a luminosidade
da sua cor: mais clara ou mais escura; mais viva ou mais mortiça; mais agressiva
ou mais discreta, ou, então, a total ausência de cor!
·
Em
segundo lugar, damo-nos conta das linhas da sua planta: maior ou menor; mais
linear ou complicada; mais tradicional ou mais ousada; com ou sem varandas e escadas!
·
A
seguir, reparamos nas suas janelas: mais rasgadas ou menos abertas; mais
desenhadas ou mais retangulares; em maior ou menor número, em proporção à
medida da planta.
·
Finalmente,
detemo-nos a observar as portas: se largas ou mais estreitas; mais altas ou mais
baixas; mais fortes ou mais frágeis; com desenhos de alto relevo ou mais lisas.
·
Vendo-a
de fora, não conseguimos apercebermo-nos do recheio e da mobília. Mas tanto de
fora como de dentro, há uma coisa que não conseguimos ver: os seus alicerces. O
mais fundamental não se vê. E nos alicerces há um elemento ainda mais
importante: a pedra angular.
·
Se
o mais fundamental não se vê, nem por fora nem por dentro, o mais precioso só
se vê por dentro: a beleza da decoração e a preciosidade da mobília.
·
Comparando
a pobreza a esta casa, podemos dizer que a pedra angular que dá coesão aos
alicerces e firmeza a todo o edifício é a pessoa adorável de Jesus! É Ele quem
toma possível e dá fundamento à pobreza evangélica!
·
Quem
usufruir da amizade pessoal de Jesus encontrou o tesouro escondido cujo valor
supera infinitamente todos os outros valores.
·
A
decoração e o recheio da mobília que só se vêem penetrando no interior da casa
significam a pobreza espiritual com todo o recheio das bem-aventuranças. É toda
a riqueza dos dons do Espírito Santo.
·
A felicidade e a alegria que estes dons nos transmitem
fazem com que nos sejam supérfluas e incomoda todas as riquezas materiais. O
Espírito de Jesus que nos inunda e se nos oferece enche-nos de vida, e vida em
abundância!
·
Assim
como quem se deleita com a beleza e a maravilha interior da casa aposentos
próprio, cozinha, lareira, dispensa recheada, sala de jantar, sala de estar,
conforto físico e acolhedor, alimentação abundante e saborosa, doce convívio,
ambiente de festa, de luz e som, etc. - não se preocupa com o que se vê no
exterior da casa, assim também, quem experimenta a riqueza da pobreza
espiritual não se preocupa com a riqueza material, simbolizada pelo exterior da
casa.
·
Na
verdade, quem consegue desfrutar da riqueza interior da casa não se importa com
a configuração do telhado, com a luminosidade da cor de fora, com as linhas
exteriores das janelas, com a altura ou largura das portas nem com as dimensões
da superfície das paredes.
·
Assim,
quem vive da plenitude gratificante dos valores espirituais, que lhe enchem a alma
de gozo e de alegria, não pode entusiasmar-se nem deixar-se prender pelos bens passageiros,
superficiais e exteriores. Entre estes bens espirituais, conta-se em primeiro
lugar os dons do Espírito Santo (Sabedoria, Entendimento, Conselho, Fortaleza,
Ciência, Piedade, Temor de Deus); a ternura do amor de Deus Pai que nos chama a
tomar parte na Sua vida divina; a graça, a bondade, a justiça, a amizade, a liberdade
e a paz que nos vêm de Jesus, nosso Caminho, Verdade e Vida!
·
De
fato, que vale a esperteza dos que triunfam na vida, comparando-a com a
Sabedoria do Espírito, pela qual somos capazes de saborear a vida em plenitude,
experimentando como Deus é bom, como é bela a vida e como é agradável viver os
irmãos em fraternidade!?
·
Que
vale todo o fulgor da inteligência humana se o compararmos com o Dom do Entendimento
que é participação, já na terra, da luz da glória que nos iluminará no Céu?
·
Que
vale toda a cultura dos nossos sábios e toda a experiência dos anciãos, a quem recorremos
para pedir opinião e parecer, nos momentos difíceis da vida comparados com o
Dom do Conselho, pelo qual discernimos, a cada hora e momento, qual a vontade
de Deus a nosso respeito?
·
Que
vale toda a força física e moral dos maiores valentes e audazes, que se entrega,
sem temor, às mais ousadas façanhas, se a compararmos com o Dom da Fortaleza,
pelo qual somos capazes, com o Espírito de Cristo, de levar até ao fim, com a
fidelidade dos heróis, a empresa espiritual a que lançamos ombros, quando
renovamos as promessas do nosso batismo, quando fizemos o juramento da nossa
profissão de fé cristã, e, quando nos entregamos generosamente à nossa vida
consagrada?
·
Que
vale toda a investigação dos iluminados deste mundo que perscrutam os segredos da
Natureza e os meandros da filosofia da história, sem conseguirem desvendar o mistério
da vida, se a compararmos com o Dom da Ciência, pelo qual conseguimos olhar
para o Homem e para o Universo, com a limpidez esclarecido e esclarecedora do próprio
olhar de Deus?
·
Que
vale todo o sentimento de consideração, compaixão e pena e até mesmo de solidariedade
e justiça social, entre os seres humanos, se o compararmos com o Dom da Piedade,
pelo qual nutrimos, nas nossas relações com Deus transcendente, um carinhoso sentimento
de filiação divina, de quem se sente profundamente amado por Deus Pai e Mãe?
Dom da Piedade. pelo qual também experimentamos nas nossas relações familiares,
sociais e econômicas. Políticas e religiosas, um sentimento de caloroso afeto
para com todo o ser humano, a quem amamos como irmão?
·
Que
vale todo o deslumbramento e todo o espanto perante o belo e o horrível da natureza;
perante as forças desencadeados do universo em fúria; perante o poder destruidor
das guerras clássicas e modernas; perante o prestígio avassalador dos
superhomens, se tudo isto compararmos com o Dom do Temor de Deus, pelo qual nos
iniciamos na sabedoria da vida" Pelo qual nos introduzimos na atmosfera do
encanto estremecedor de quem contempla a grandeza, o poder, a sabedoria, a
glória e a santidade de Deus?
·
Numa
palavra, que valem os bens temporais, materiais ou morais, em comparação com os
bens do Espírito, que transcendem o tempo e o espaço e perduram para além da morte?
·
Quem
desfruta a felicidade da riqueza que nos vem da pobreza espiritual não pode deixar-se
seduzir pela riqueza material.
·
Concluímos
que para viver a pobreza em fraternidade, no tocante aos bens materiais, é necessário
deixar-nos antes apaixonar pelos bens espirituais, ou seja, pela riqueza espiritual
da pobreza. A pobreza espiritual mais do que o desprendimento dos bens materiais,
exige o amor aos valores que dimanam diretamente do Espírito de Cristo.
·
A
nossa pobreza evangélica franciscana é uma riqueza alternativa à riqueza
material. Brota duma plenitude e não duma carência. É a "altíssima
pobreza" de São Francisco, que "nos faz herdeiros e reis do Reino dos
Céus, pobres de coisas materiais, mas ricos de virtudes" (2 Reg. 6,4). É
uma bem-aventurança. (Mt 5,3).
·
Continuando
com a comparação da casa e da pobreza, vejamos agora o que significa a própria
planta da casa, com as suas linhas arquitetônicas. Podemos comparar a planta da
casa à nossa situação social de pobres, remediados ou ricos.
·
Uma casa pequena e térrea poderá significar a
pobreza dos que não conseguem ultrapassar uma situação econômica verdadeiramente
difícil e mortificante.
·
Uma
casa mais ampla, embora de divisões modestas, poderá significar uma situação
socioeconômica desafogada. Uma casa espaçosa, bela e articulada em várias
varandas, poderá significar uma situação de confortável riqueza.
·
A
nossa pobreza a que tipo de casa se poderá comparar? Não sendo a pobreza evangélica
definida pela situação de carência ou de miséria, mas o resultado duma plenitude
de riqueza interior espiritual, a nossa casa não terá de ser forçosamente uma habitação
privada do mínimo de condições vitais, pois dentro dela devem morar pessoas
revestidas com a dignidade de filhos de Deus.
·
Não
será simplesmente a casa dos remediados e muito menos a casa da classe média,
se nessa casa se viver a sofreguidão de possuir cada vez mais e a insatisfação
gananciosa de quem não sabe viver honradamente pobre, tanto na abundância como
na miséria. Dizia S. Paulo: "Aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei
viver na penúria e na abundância. Em tudo e em todas as circunstâncias tenho
aprendido a ter fortuna e a ter fome, a ter abundância e a padecer
necessidade" (Fil 4,12).
·
Podemos
viver, com verdadeiro espírito de pobreza, tanto numa casa miserável, como numa
razoavelmente confortável, sem nos deixarmos contaminar pelo espírito de revolta,
de cobiça ou de ambição. Poderemos ser pobres se na casa miserável não formos
uns revoltados; e na casa remediada, não formos uns instalados. Muito menos,
será o símbolo da nossa pobreza a casa grande e majestosa, ornada de pormenores
requintados. Esta seria a casa dos ricos. No entanto, se apenas for fisicamente
grande, suavizada a sua grandeza pelos traços da simplicidade, e estiver toda
ela orientada para servir a finalidade evangélica para que foi pensada, poderá,
também ela, ser a casa da nossa pobreza, se nela soubermos morar e conviver,
"como peregrinos e estrangeiros" (2 Reg. 6,2).
·
A
nossa pobreza tem de ser forçosamente sinônimo de humildade: "servindo a
Deus em pobreza e humildade, vão com muita confiança pedir esmola" (2 Reg.
6,2).Para sermos pobres é necessário que a humildade resplandeça na nossa
pessoa e nas nossas coisas. Como diz S. Francisco devemos ser simples e servos
de todos (Cf. Test.19).
·
“Mesmo
as casas grandes se forem necessárias, têm de ser humildes na sua apresentação:
de aspecto rústico e precário” (2 Cel 56). "Tudo deve proclamar cantar mesmo
- a sua condição de peregrinos e exilados" (2 Cel 60).
·
"Exorava
os que na Ordem usavam roupas a mais e, sem necessidade, as queriam de pano
macio" (2 Cel 69). O próprio exercício da mendicância, proibida às Ordens
monásticas, era uma experiência de humildade (Cf. 2 Cel. 74 e 77).
·
Passamos,
agora, ao simbolismo das janelas. As janelas servem, fundamentalmente, para
deixar entrar o ar e a luz, dentro da casa: dois elementos indispensáveis à
vida! Servem também, para através delas, alongarmos o nosso olhar para o
horizonte longínquo da terra e do céu, sem sairmos de casa.
Fazendo, de
novo, a aplicação à nossa pobreza, diremos que queremos ser pobres com a
riqueza da brisa
do Espírito Santo e a luz da Verdade do Mestre Jesus. Brisa e luz que
nos entram pelas
janelas da alma. Pobres, sim, mas com a riqueza que nos vem de Deus!
Somos pobres se
a brisa do Espírito nos invadir a alma com o dom inebriante da oração, e o
esplendor da luz da Verdade, nos iluminar e aquecer com o dom da contemplação. Então,
o nosso coração, cheio da plenitude de Deus, dispensará toda a utilidade que nos
vem das criaturas! E quando as janelas forem tão exíguas, que mal nos deixem
divisar uma nesga do azul do Céu, então compreenderemos que a pobreza é também
uma exigência de aceitar a vida em paz e confiança, mesmo quando não
descortinamos o sentido pleno da existência, no meio de grandes provações!
Ser pobre é
também saber aceitar a vida, sem entender! A experiência da oração e da
contemplação que fazia de São Francisco, mais do que um orante, a própria
oração vivente (2 Cel 95) era o segredo da sua pobreza. Todo inundado e absorto
em Deus, pela oração contemplativa, nada mais desejava possuir. Deus era tudo
para ele. Detenhamo-nos, agora, na simbologia das portas. Estas, largas ou
estreitas, servem fundamentalmente para abrir e fechar a casa. As portas
fechadas, que nos vedam a entrada no interior da casa, dizem-nos que para sermos
pobres não devemos ter acesso ao lucro imoderado, que ofende a justiça; ao luxo
que ofende os pobres, e à ostentação que ofende os humildes.
A nossa pobreza
para ser verdadeira tem de ser decididamente austera. Tudo o que for para além
do necessário ofende a pobreza! As portas abertas que convidam a entrar, e
facilitam o ingresso dos moradores nas suas habitações, sugerem-nos uma vida de
pobreza que abra as portas das nossas casas aos pobres, aos mendigos; aos
marginais e enjeitados; aos excluídos e expulsos. Se a nossa casa não acolher
os pobres de ambulantes e inadaptados, vagabundo sem eira, nem beira, nem
ninguém que os queira, não será casa de pobres que professam a pobreza
evangélica, mas casa de senhores que se fecham nas suas fortalezas. O
entusiasmo de São Francisco pela austeridade radical e pela pessoa dos pobres vem
lhe da sua paixão pela pessoa de Jesus pobre e crucificado que ele vê retratado
em todos os que sofrem penúria. Por isso a pobreza é uma noiva maravilhosa para
S. Francisco porque lhe faz lembrar aquele a quem ele ama com amor esponsal.
Não sendo a pobreza quem o encanta, mas o Cristo pobre, Francisco enamora-se da
pobreza porque nela contempla o seu Amado!
Se passarmos a
comparar a nossa pobreza à cor que reluz, que mais ou menos brilha no exterior
da casa podemos tecer as seguintes reflexões:
Tudo quanto
temos e usamos dever ter tal colorido que:
- não chame a
atenção do curioso, nem provoque o ciúme do invejoso;
- não agrida nem
a simplicidade do humilde, nem a carência do indigente;
- não desperte a
cobiça do ambicioso nem a raiva do ganancioso;
- não espicace o
instinto do ladrão, nem atice a sofreguidão do avarento;
- não convide o
assalto à mão armada ou desarmada, nem a aventura dos amigos do alheio.
Numa palavra,
tudo deve ser tão simples e despretensioso e discreto que não dê nas vistas a
ninguém. Assim deve ser a nossa maneira de ser e de estar, de vestir e de
habitar e de nos apresentarmos. S. Francisco diz-nos na Regra: "Todos os
irmãos vistam-se com hábitos pobrezinhos e possam remendá-los de burel e outros
pedaços, com a bênção do Senhor" (2
R. 1, 1 6). “Não devemos desprezar nem julgar, mas também não podemos imitar os
que andam com vestidos macios e de cores e usam comidas e bebidas delicadas”
(2Reg. 1, 17).
Finalmente,
recorrendo à comparação do telhado, que marca os limites extremos da casa, em
comprimento, largura e altura, podemos chegar às seguintes conclusões, acerca da
nossa pobreza.
1- Não nos devemos
perguntar até onde podemos usar e gastar, sem ofender gravemente o voto de
pobreza. É que o voto de pobreza não se fundamenta num acordo jurídico entre
duas partes interessadas num negócio, com consequências legais; mas sim, no
seguimento apaixonado pela pessoa maravilhosa de Jesus, cuja pobreza nos
encanta! Ora, num encanto, como o da pobreza evangélica, que é sinônimo de amizade
enamorada, não cabem as medidas do válido e do inválido, do lícito e do
ilícito, do permitido e do proibido, mas tão somente o dom sem medida de quem
se entrega, por amor, a quem, por amor se entregou.
2- Devemo-nos
perguntar, a respeito do uso das coisas e dos gastos a fazer, até onde podemos
renunciar, até onde podemos levar a nossa austeridade e penitência, até onde podemos
abdicar e dispensar os bens terrenos; numa palavra, até onde podemos esticar a exigência
da pobreza material, sem deixar de dispor do que for necessário e conveniente para
o desempenho das nossas obrigações e da nossa missão. É que o Reino de Deus,
embora possa e deva contar com todos os nossos recursos estruturais e pessoais,
materiais e espirituais, apesar disso não depende, no seu desenvolvimento
dinâmico, desses mesmos recursos, mas sim de outros valores superiores.
Refiro-me aos valores que constituem a própria natureza do Reino:
- A perenidade e a universalidade;
- A santidade e a amizade;
- A verdade e a vida;
- A justiça e a liberdade;
- O amor e a paz.
Ora, para viverem
estes valores não é preciso dispor nem de muito dinheiro, nem de muitos bens
destinados à nossa habitação, à nossa comida e bebida, ao nosso vestido e à
nossa vida profissional. Podemos comer suficientemente, vestir decentemente,
habitar dignamente e trabalhar eficazmente por um mundo melhor e por uma Igreja
mais renovada, sem nos apoiarmos no máximo de recursos materiais permitidos.
Pelo contrário, na medida em que podermos dispensar, prescindir e diminuir os
valores relativos, nessa mesma medida dará cada vez mais lugar aos valores do
Reino já mencionados.
Ser pobre é,
portanto, edificar a Casa da Pobreza sobre a rocha do seguimento de Jesus. Pobre!
Quem edifica a pobreza, tendo só em conta as leis das Regras e das Constituições,
sujeita-se a edificar sobre a areia! Construir a Casa da Pobreza é, portanto,
ter em conta que o mais importante da casa não é o que se vê por fora, mas o
que está escondido lá dentro. É o recheio dos valores espirituais a que
chamamos pobreza espiritual. Só é pobre, segundo o Evangelho, aquele que
fazendo a experiência da plenitude de Deus, de nada mais se interessa, neste
mundo, e sente necessidade de rezar, como S. Francisco: "Meu Deus e meu
Tudo" (Flor. cap. II). Construir a Casa da Pobreza implica ter em conta
que tanto na casa pequenina desprovida de tudo, como na casa modesta e
minimamente fornecida, como na casa ampla e de maiores dimensões, se pode ser
pobre, se tivermos o espírito de S. Paulo que aprendeu a contentar-se com o que
tinha, e sabia viver na abundância e na penúria.
Construir a Casa
da Pobreza é, portanto, ter em conta que as nossas "janelas"
devem-nos deixar entrar a brisa do espírito da oração e a luz da Verdade que
nos inunde com o êxtase da contemplação.
Só o orante
poderá ser pobre! A pobreza é uma condição para orar! Construir a Casa da
Pobreza é, portanto, ter em conta que as nossas "portas" devem fechar-se
aos bens supérfluos e abrir-se aos pobres mais necessitados do que nós. Construir
a Casa da Pobreza é, portanto, ter em conta que a cor das nossas casas deve emprestar
a tudo quanto possuímos um colorido tão austero e tão simples que a ninguém
cause inveja ou cobiça. Construir a Casa da Pobreza é, finalmente, ter em conta
que os nossos "telhados" devem-nos marcar os limites não do máximo
permitido mas do máximo dispensável.
CONCLUSÃO
O Concílio Vat.
II pede-nos novas formas de pobreza. Insiste em que a pobreza seja real e não
somente uma questão jurídica de quem tem licença da Santa Sé ou dos superiores.
Uma das formas mais atuais da pobreza é o trabalho honesto de quem ganha o pão
de cada dia com o suor do seu rosto. Trabalho que é elogiado por São Paulo que
escreveu aos Tessalonicenses: "Não comi de graça o pão de ninguém... quem
não quiser trabalhar não tem direito a comer" (2 Tess 3,8. 10). E S.
Francisco deixou-nos no seu Testamento: "Firmemente quero que todos os
irmãos trabalhem" (Test. 2 1).
Uma outra forma
nova de pobreza será a partilha dos nossos bens para que deles possam usufruir
todos os necessitados do mundo. O sentido universal de todos os bens, que é tese
fundamental na doutrina social da Igreja, deve aplicar-se a nós com mais
exigência e urgência. Se a Fraternidade é a nossa forma de vida dentro da
Igreja, ela tem de traduzir-se em SOLIDARIEDADE, nas nossas relações sociais
com os homens e as mulheres do nosso tempo. E termino com a palavra de São
Francisco: "NADA DE VÓS MESMOS RETENHAIS PARA VÓS, A FIM DE QUE TOTALMENTE
VOS POSSUA AQUELE QUE TOTALMENTE SE VOS DÁ" (CO 29).
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